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Tom Zé, Danç-êh-sá

Por Daniel Brazil - 05/12/2006

Tom Zé é uma das figuras mais fascinantes do cenário artístico brasileiro. Surgiu junto com os tropicalistas, nos anos 60, e ganhou fama nacional ao vencer o 4º. Festival de Música da Record, em 1968. Quando tudo apontava para o caminho do sucesso radiofônico, trilhado pelos companheiros de movimento, sua mente inquieta se voltou para um atalho musical único, onde mesclava as sonoridades sertanejas do interior da Bahia os procedimentos da vanguarda eletroacústica erudita. Aluno de Koellreuter, Widmer e Smetak, na UFBA, sempre nutriu certa desconfiança do sucesso fácil e padronizado.

De lá para cá teve uma trajetória irregular, marcada por longos períodos de afastamento das gravadoras. Radicalizou suas performances, criando sons com enceradeiras, esmeris e toda sorte de ferramentas e eletrodomésticos. O reconhecimento internacional nos anos 80 fez com que ressurgisse como um astro pop, gravando discos de boa vendagem e cativando uma nova geração, interessada em sua música cheia de surpresas e sua imagem de Davi da contracultura.

Mas o velho espírito contestador e experimental permanece dentro do homem, e se manifesta com freqüência. É o caso do seu novo trabalho, o intrigante Danç-Êh-Sá (Tratore, 2006). Aliás, o CD tem vários subtítulos: Pós-Canção/ Dança dos Herdeiros do Sacrifício/ 7 Caymianas para o Fim da Canção.

Tom Zé investe com força no cruzamento entre os samplers programados eletronicamente e os instrumentos tradicionais. São sete pós-canções sem letras, porém cheias de ruídos vocais, como espirros, resmungos e assobios. Em parceria com o baixista Paulo Lepetit, transita no movediço terreno da música eletrônica, de forte base percussiva, com resultados ora envolventes, ora francamente irritantes.

Isso não quer dizer que Tom Zé tenha abdicado da palavra. Pelo contrário: o CD é cheio de textos e sub-textos, com um encarte onde contesta declarações de ilustres colegas como Julio Medaglia e Chico Buarque. Todas as canções têm título e subtítulo, com nomes de movimentos revoltosos de negros, índios e caboclos, de várias épocas, didaticamente resumidos. No texto maior, uma espécie de manifesto, o artista conclama a juventude a reagir contra o conformismo e o consumismo, pregando um engajamento social transformador.

Tom Zé afirma não acreditar no fim da canção. Provocador, constrói uma suíte eletrônica que se afasta dos parâmetros tradicionais de canção que conhecemos. Criou um disco-panfleto, que soa como manifesto aparentemente anárquico, mas reflete a coerência de sua carreira. Em movimento pendular, ele se debruçou em vários momentos sobre a música popular nas suas formas mais puras, como o samba, as cirandas e as toadas. Ciclicamente, se volta para as intrincadas texturas polirrítmicas, beija o atonalismo e dança com a música eletrônica. É o cantador de Irará em eterno duelo com o cosmopolita investigador de sonoridades. Há quem goste de uma fase, há quem curta a outra. Talvez seja necessário um público de tomzés para compreender a totalidade do artista Tom Zé!