Revista MB Recomenda

Peneirando Água

Por Daniel Brazil - 31/10/2007

Amanda Barros

O surgimento de uma nova cantora, preocupada em revelar canções inéditas de autores pouco conhecidos, permite duas observações imediatas. Primeiro, o valor intrínseco de Amanda, dona de belo timbre, macio e quente, nunca rascante, à vontade num gênero que poderíamos considerar como “moderna MPB”, mais próxima dos gêneros nacionais que do rock ou do blues. Um pouco de soul e suíngue, no máximo.

Não que seja perfeita, claro. Aqui e ali podemos notar alguma indefinição estética, uma certa padronização nas baladas, uma canção um pouco acima do tom natural. Mas uma voz capaz de soar de forma diferenciada à primeira audição. Não é pouco, hoje em dia.

Segundo, a qualidade dos autores que Amanda expõe na sua vitrine (Peneirando Água, Eneaga, 2007). Paulistas na maioria, ou ali estabelecidos. São Paulo tem essa característica maluca de ser tão estratificada que certas tribos não se tocam. A turma de Amanda não é do samba de raiz, mantém distância do rock, não participa do balanço black, provavelmente detesta pagodeiros e sertanejos. Não seguem as lições da “antiga” vanguarda paulista, não freqüentam o Clube Caiuby, importante núcleo contemporâneo de compositores independentes. Mas os músicos são ótimos, os arranjos de Hamilton Messias (também tecladista e flautista) atestam competência.

O problema está nas músicas, que raramente escapam da mesmice. Com boa vontade podemos detectar alguma invenção melódica, mas a harmonia e a construção rítmica são previsíveis, e as letras cheias de banalidades. A bela melodia do baião “Princesa do Agreste” (de Salatiel Silva, João Barbosa e Zequinha Mello) conta com o auxílio luxuoso do acordeon de Toninho Ferraguti, mas escorrega na vontade de ser um notável (“Sou Luiz Gonzaga, sou Capiba”), recurso já bem batidinho em canções nordestinas de auto-exaltação. Que dificuldade têm os jovens compositores (suponho que sejam jovens) de construir um discurso poético com características autorais! A cópia do modelo buarquiano é o máximo conseguem vislumbrar, sem jamais atingir o brilho do original que, aliás, tem o saudável hábito de não se copiar.

Uma boa exceção: Evandro Camperon, autor (letra e música) das duas faixas mais inventivas do CD. Na ótima Dupla de Ataque, Amanda chama o parceiro pro jogo dizendo que “e aí, você e eu/ no rumo certo/ entortando o adverso/ Romário e Bebeto/ peito aberto ao que vier/ Diego e Robinho, Didi, Mané”, deliciosa mistura de presente e passado, com direito a “calcanhar socrático” e “rivelino elástico”. Em “Outros Sóis”, o arranjo funkeado emoldura bem a letra meio “djavanesca” (olha o perigo!).

Olho neles: Amanda Barros, Hamilton Messias, Evandro Camperon. Dá pra apostar algumas fichas nesta trinca.