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Macao, Macalé

Por Daniel Brazil - 25/11/2008

Jards Anet da Silva, mais conhecido como Macalé, é uma lenda viva da música brasileira. Desde seu início, antes mesmo de se ligar aos tropicalistas, teve uma atuação marcada por polêmicas e uma relação conflituosa com a indústria fonográfica.

Se isso o transformou numa espécie de herói da contracultura brasileira, também lhe pespegou o rótulo de maldito. Justo ele, que nunca se ajustou exatamente a rótulo nenhum. Bom músico, cantor de voz anasalada, capaz de interpretações marcantes, emplacou alguns sucessos de estima, como Vapor Barato (parceria com Wally Salomão, lançada por Gal Costa nos anos 70 e reciclada pelo Rappa, nos anos 90) e Movimento dos Barcos. Sua histórica apresentação de “Gotham City”, no FIC, em pleno Maracanãzinho, marcou época (1969). A participação como ator no filme Amuleto de Ogum, de Nelson Pereira dos Santos, também surpreendeu. Mesmo sendo parceiro de poetas como Torquato Neto, Capinam e Wally Salomão, nunca vendeu muito disco, e seus fãs formam o chamado segmento “alternativo”.

Macalé fez também música para teatro e cinema, dirigiu outros artistas, se envolveu em projetos coletivos, teve trabalhos censurados pela ditadura (O Banquete dos Mendigos), e passou longos períodos longe dos estúdios. Oscilando entre a vanguarda e a tradição, flertou com a malandragem de Moreira da Silva, com quem fez diversos shows, ao mesmo tempo em que musicava poemas de Brecht. Num de seus melhores discos, 4 Batutas e um Coringa, interpretou Geraldo Pereira, Nelson Cavaquinho, Lupiscínio Rodrigues e Paulinho da Viola.

O homem é inquieto, por natureza. Pega a tradição e filtra de maneira muito pessoal, incomodando muitos com sua dicção meio bêbada. É bom lembrar que ele cantava assim muito antes de Tom Waits virar (e desvirar) moda...

Pois Macalé acaba de lançar mais um disco (Macao, Biscoito Fino, 2008). Macao é uma corruptela de Macalé, e o conjunto de canções é um resumo do que é Jards Anet da Silva: mistura de sambas em leitura inusitada com canções inclassificáveis. Tem Lupiscínio (Um Favor), Tom Jobim (Corcovado), Luiz Melodia (Só Assumo Só), Jacques Brel (Ne Me Quitte Pas), Paulo Vanzolini (Ronda) e, claro, Macalé.

A faixa de abertura é a clássica Farinha do Desprezo (com Capinam), do seu primeiro disco, em releitura tensa. As inéditas são O Engenho de Dentro (com Abel Silva) e o samba amaxixado Se Você Quiser (com Xico Chaves). Ana de Holanda participa na faixa Balada, parceria de ambos. Cristóvão Bastos toca piano e arranja a maioria das faixas, com vários músicos convidados.

Enfim, Macalé mostra que está vivo e atuante. Fiel ao seu estilo, não facilita as coisas. Não faz música pra tocar no rádio, pra entrar na parada de sucessos. Quem gosta de sua voz manhosa vai curtir este Macao, bem tocado e arranjado. E quem não conhece, tem aqui uma ótima chance de conhecer um resumo coerente da obra de Jards Anet da Silva. Como diz a canção de Melodia que encerra o disco, “repare e arregala o olho, que um novo artista vai cantar, tão só.” Macalé não envelhece.