Perfil

Clube do Samba, 1/4 de século de alegria

Por Didu Nogueira - 11/07/2003

Eu não tenho número de inscrição, meu nome não consta da lista de associados, muito menos como fundador. Mas eu tava lá. Aliás, eu sempre tava lá. Acho que já não era mais office boy da firma do João, mas ele me avisou que teríamos muito trabalho dali em diante. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.

E foram feitos os primeiros pagodes na José Veríssimo 50. Os caras tavam lá. Não me peçam nomes, mas de alguns posso lembrar, como Alvarenga da Portela, cuja mulher ligava pra saber se o Alvarenga do samba falado tinha chegado.

O Martinho da Vila deu o cenário que o Elifas fez do seu show Tendinha, que enfeitou a lateral da garagem e ficou perfeito. A Clara ia, a Elizete também. Será? O Mauro Duarte eu garanto. Foi ele quem fez o primeiro samba do Bloco, quando faltavam uns cinco minutos pra gente fazer um desfile dali da casa do João até o Shopping Center, coisa de no máximo 500 metros. Bacana. Também, com uma bateria daquelas...

Tinha tamanco. A diretoria dava as camisetas e calçava a bateria com tamancos. Ah, o Padeirinho também tava lá. Nei Lopes, Sergio Cabral, e o pagode comendo solto, de malandro.

Depois a gente foi desfilar na Rio Branco. Religiosamente, aos sábados e terças de carnaval, às cinco da tarde, abram alas para o Bloco do Clube do Samba passar e como passava. Cuscus dirigindo a Bateria, Joaci na retaguarda da nossa segurança, Paulinho da Kombi, nosso refúgio com sua cerveja gelada. A compra da camiseta dava direito a cerveja. Carlinhos de Jesus e Mocinha como Mestre-Sala e Porta Bandeira. E eu lá puxando o samba.

Paralelo a isso, a sede do Flamengo no Morro da Viúva era o que de melhor podia se encontrar na música brasileira. Pela primeira vez foi criado um baile onde uma orquestra tradicional se revezava com uma mini-bateria de Escola de Samba das onze às quatro da manhã. Das melhores sextas-feiras da minha e da vida de muita gente. A orquestra dirigida pelo Maestro Nelsinho tinha entre seus integrantes Neco, Luizão Maia, Mané do Cavaco,Wilson das Neves, Luna, Eliseu, Marçal, Canegal, Juarez Araújo, entre tantos outros magistrais músicos que certamente estou esquecendo.Tinham as canjas. E que canjas. Quase todos os grandes nomes da musica brasileira passaram por lá. Juro que sim.

E eu lá, depois de vender as mais de cem mesas em menos de uma hora, subia pra tomar minha cerveja, né? Os anistiados também tavam lá. Chegavam do exílio e se banhavam de Brasil lá.

Foram dois anos, depois Clube Municipal, Associação dos Servidores Civis e aí, Barra da Tijuca. O grande sonho da sede que em breve seria própria. Não tinha o que errar. Os grandes nomes do samba se uniram numa cooperativa para, enfim, profissionalizar os serviços de uma grande fábrica de sonhos e ainda teriam lucro a partir de suas idéias e ações.

Foram cinco anos com momentos inesquecíveis. O Chico cantando na inauguração da Praça Clara Nunes, que tinha um maravilhoso sabiá esculpido pelo Jorge de Salles, Clementina, que por várias vezes cantou lá.

O Baden, que só tinha feito show no Golden Room – ele morava na França nessa época. Moreira da Silva, Nelson Cavaquinho que cantou na inauguração da Galeria Guilherme de Brito, a confraternização dos músicos do Free Jazz que foram nos assistir. Digo nos assistir, porque ataquei de canário e o Roberto Vailey, baixista do Spyro Gira, subiu pra tocar o surdo no "Eram dois ou mais" do Claudinho Azeredo e do Paulinho Feital numa platéia que tinha o Joe Pass e o Michel Petrruccianni, entre outros. O terceiro Congresso Nacional dos Músicos que durante uma semana ocupou as dependências do Clube, num encontro memorável para as categorias envolvidas. Ah, e teve aquele dia, casa vazia, tinha caído um temporal e ainda continuava chovendo. O show era do Morengueira e não sei se por pedido de alguém da platéia, Moreira disse que não cantaria a tal musica, pois tinha esquecido. No que alguém da platéia gritou: eu sei. E saiu cantando e subindo ao palco para delírio do público que poderia esperar qualquer coisa, menos que Chico Buarque de Holanda estivesse por lá e fosse dar essa canja. O Pablo Milanés tava com ele.

Teve roda de samba, dia de bossa nova, feijoada aos sábados, Turíbio tocando João Pernambuco com Rafael Rabello e Neco no cavaquinho. Até o Gil tocou lá.

Foi interessante. A Gisa Nogueira abordou o Gil depois de uma palestra que ele fez no Congresso Nacional dos Músicos e disse do desejo de contar com a presença dele, Caetano e dos companheiros baianos, mas que sendo o Clube do Samba uma entidade dirigida por músicos, infelizmente não poderíamos contratá-los pois não pediríamos que eles diminuíssem o valor de seus cachês. E o nosso Ministro não se fazendo de rogado, pediu a Gisa para marcar a data de sua apresentação na semana seguinte, abrindo mão de seu cachê e nos brindou com um recital de voz e violão de aproximadamente duas horas e meia.

Teve Cauby, Jorge Ben, Wando, Geraldinho Azevedo, Boca Livre, Fátima Guedes, Marisa Gata Mansa, Zimbo, Tamba e outros trios. E eu tava lá. Agendando, criando projetos, produzindo.

Para que exista memória, não basta que durante anos se desenvolva um trabalho, que se dedique a ele seu tempo, sua vida. João Nogueira, o eterno Presidente, dedicou grande parte de seus melhores momentos a sonhar com a possibilidade de que seus pares, parceiros, colaboradores, tivessem no Clube do Samba sua casa, atendendo suas demandas, convocando mais e mais gente e mostrando aos mais jovens que esse país, através da sua musica, pode e vai ser melhor pra todos nós. Já estamos (ainda bem!) vendo exemplos positivos nesse sentido.

Nós só ficamos sem sede. Não sem vontade ou sem rumo. São 25 anos de luta que hoje podem parecer se resumir a um desfile do Bloco às terças-feiras na Avenida Atlântica. A gente o Rio e o Brasil merecem que o Clube do Samba comemore com pompa e circunstância seus 25 anos, e para tanto, procuramos parceiros para a viabilização de nossos eventos e, também, de uma sede definitiva para o Clube.