Memória

Zé Keti -- centenário de nascimento

Por Alberto Buaiz Leite - 29/09/2021

A história do samba carioca não seria a mesma, sem a existência de nosso homenageado. Trata-se do grande compositor e cantor Zé Keti que, ao longo de sessenta anos de carreira, enriqueceu nosso cancioneiro de forma magistral. Veio ao mundo como José Flores de Jesus, em 16 de setembro de 1921. Nasceu no subúrbio de Inhaúma, Rio de Janeiro, e a música esteve presente em sua vida desde a infância. O pai tocava cavaquinho e o avô era pianista e flautista. Morou em vários bairros do Rio e quando residiu em Piedade, tinha como vizinho Geraldo Cunha, compositor da Mangueira, e este começou a levá-lo para ver os ensaios da escola verde e rosa. Foi o seu primeiro contato, aos 13 anos, com o samba dos morros e das escolas. Em 1937, mudou-se para Bento Ribeiro, próximo a Madureira, e por intermédio do compositor portelense Armando Santos, foi levado para a Portela. Passou a frequentar a agremiação e, em 1945, tornou-se compositor da azul e branco. Na década de 1950, teve alguns desentendimentos na escola e afastou-se, indo para a União de Vaz Lobo. Retornou à Portela, em 1960.
     Sua trajetória artística desenvolveu-se de forma rápida. O compositor não ficou limitado a frequentar os terreiros das escolas de samba e os morros. Na década de 1940, passou a frequentar o Café Nice, reduto da classe artística. Lá, conheceu figuras importantes de nossa música como Geraldo Pereira, Felisberto Martins, Francisco Alves, entre outros. Isto foi importante para que sua carreira deslanchasse. Em 1946, teve sua primeira composição gravada, a música “Tio Sam no Samba” em parceria com Felisberto Martins, lançada pela Odeon com o grupo Vocalistas Tropicais. Em 1947, Ciro Monteiro gravou “Vivo Bem” em parceria com Ary Monteiro, lançado pela RCA. Em 1951, conseguiu seu primeiro sucesso, o samba “Amor Passageiro” em parceria com Jorge Abdala, gravado por Linda Batista e lançado pela RCA. Em 1954, o samba “Leviana” em parceria com Amado Regis tornou-se outro grande triunfo de sua carreira, ao ser lançado por Jamelão, em disco da gravadora Continental. Contudo, um estrondoso sucesso foi o samba “A Voz do Morro” gravado inicialmente por Jorge Goulart, em 1955 e que fez parte da trilha sonora do filme”Rio 40 Graus” de Nelson Pereira dos Santos que mudou a história da cinematografia brasileira. Nele, Zé Keti atuou como assistente de câmera e ator. Outros filmes nacionais também tiveram músicas de nosso homenageado em suas trilhas sonoras.
     Na década de 1960, houve alguns momentos bastante significativos na sua carreira. Um deles foi a sua iniciativa de criar, em 1963, o conjunto A Voz do Morro reunindo, além dele, Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho, Nelson Sargento, Oscar Bigode e Zé Cruz. O grupo fez bastante sucesso e gravou dois LPs na Musidisc e um na RGE. Outro momento marcante foi a sua participação no Zicartola, casa de espetáculos fundada por Cartola e Dona Zica, em 1963, na Rua da Carioca, centro do Rio. Zé Keti foi diretor artístico da casa e lá conheceu artistas e intelectuais da Zona Sul do Rio de Janeiro, como Nara Leão, Carlos Lyra, Oduvaldo Viana Filho, entre outros. Este envolvimento culminou com a montagem, em 1964, do espetáculo “Opinião”, título de uma música sua. Com direção de Augusto Boal e textos de Oduvaldo Viana Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, contou com a participação de Nara Leão, Zé Keti e João do Vale e foi apresentado no Teatro de Arena, em Copacabana, tendo grande repercussão. O musical teve uma conotação política, uma vez que mostrou os problemas sociais do país e foi visto como uma forma de resistência ao regime militar que havia se instaurado no Brasil.
      Em meados da década de 1970, mudou-se para São Paulo, mas continuou compondo, gravando e fazendo apresentações. Seu nome já estava consolidado na história da música brasileira. Na década de 1990, voltou para o Rio e recebeu algumas homenagens como a Medalha Pedro Ernesto, da Câmara de Vereadores e o Prêmio Shell, de 1998, pelo conjunto de sua obra. No ano seguinte, teve complicações de saúde e faleceu, no dia 14 de novembro, de falência múltipla dos órgãos.
     Zé Keti foi um dos mais importantes sambistas de nosso país. Compôs mais de cem músicas, algumas delas com dezenas de gravações. Além das obras já mencionadas, podemos citar outros grandes sucessos seus como: “Mascarada” em parceria com Elton Medeiros, “Nega Dina”, “Máscara Negra” em parceria com Hildebrando Pereira Matos, “Malvadeza Durão”. “Diz que Fui Por Aí” em parceria com Hortêncio Rocha e “Acender as Velas” Sua obra teve um sentido lírico apurado, mas algumas composições tiveram um viés político. Soube retratar e denunciar, como poucos, as agruras de nosso povo. Merece ser lembrado como um exemplo de dignidade, generosidade e humanismo.