Memória

Zé Espinguela: o pai de santo e os maestros

Por Julio Cesar de Barros - 20/07/2010

(Veja.com/Blog Passarela)

Há 65 anos morria no Rio de Janeiro José Gomes da Costa, o Zé Espinguela, que juntamente com Cartola e Carlos Cachaça fundou o Bloco dos Arengueiros, semente da escola de samba Estação Primeira de Mangueira. Jornalista, compositor, cantor, escritor, pai de santo e folião, Espinguela promoveu o primeiro concurso de escolas de samba, em 20 de janeiro de 1929, no Engenho de Dentro, bairro do subúrbio carioca onde morava e mantinha seu terreiro de macumba. Paulo Benjamim de Oliveira, o Paulo da Portela, comandou a vitória do conjunto de Osvaldo Cruz. Participaram grupos da Mangueira e da Deixa Falar, a primeira escola de samba a ser criada, no bairro do Estácio. Não se tratava ainda de um cortejo carnavalesco. No concurso, realizado no quintal da casa de Espinguela, na atual rua Adolfo Bergamini, cada grupo apresentava dois sambas puxados pelos autores, com auxílio de um coral de pastoras, e o júri decidia qual era o melhor conjunto.

Espinguela conheceu o maestro Villa-Lobos, a quem apresentou as nuanças dos folguedos populares do Rio de então, com seus rituais africanos e rodas de jongo e samba. Em troca, Villa-Lobos o indicou a Leopoldo Stokowski (1882-1977), que em 1940 buscava músicos populares brasileiros para fazer uma gravação destinada ao Congresso Pan-Americano de Folclore. “Stokowski viajava sob o patrocínio do Departamento de Estado americano, que desenvolvia na América do Sul a Política da Boa Vizinhança, criada pelo presidente Franklin Delano Roosevelt”, conta o jornalista e crítico musical Ary Vasconcelos. O resultado do trabalho do maestro inglês foi um disco que só saiu no Brasil em 1987, 47 anos depois das gravações, produzido pelo Museu Villa-Lobos. Gravado a bordo do navio Uruguai, sob a supervisão de Stokowski e organização de Villa-Lobos, como informou o jornalista Aramis Millarch na época de seu lançamento, o disco reuniu autores como Pixinguinha, Cartola, Donga e João da Baiana.

Ainda sob inspiração de Villa Lobos, Espinguela criou em 1940 o nostálgico Sodade do Cordão, grupo carnavalesco que tentava reviver os “bons tempos da folia”. Espinguela viveria pouco. Em 1944, pressentindo que o fim se aproximava, convocou seus fiéis do terreiro do Engenho de Dentro e foi à Mangueira despedir-se dos amigos e das namoradas, que sempre manteve, longe do olhar da patroa ciumenta. O morro foi acordado de madrugada pelo canto do cortejo em homenagem ao morto que, ainda vivo, puxava o coro com ajuda das pastoras. “Ele acordou o morro todo anunciando que iria falecer. Fez uma música só para isso. E morreu dois dias depois”, diz Raymundo de Castro, velho mangueirense. Eis a letra cantada pela turma do Espinguela:

Bem que eu quero esperar
Mas existe um porém
Sinto a minha memória cansada
Essa simples melodia
Serve de último adeus
Adeus, escola de samba
Adeus, Mangueira
Adeus
.

Por ocasião do Dia Nacional do Samba, em 2008, o repórter Marcos Uchôa, da TV Globo, fez uma reportagem para o Jornal Nacional que reproduz o evento em que Espinguela e seu grupo se despedem da Mangueira. No final da reportagem, Heitor dos Prazeres Filho canta o samba despedida: