Memória

Wilson Batista

Por Luís Pimentel - 22/06/2004

O último malandro da MPB

Dia 3 de julho fazem 89 anos que ele nasceu, em Campos (RJ). E no dia 7 completam-se 36 anos de sua morte, no Rio de Janeiro. Wilson Batista foi um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos. O Rio já hospedou, em tempos idos, alguns malandros de renome, a maioria com penetração e até e até amizades no mundo da música. Entre estes, podemos citar Valdemar da Babilônia, João Cobra, Mané da Carretilha, Nina do Estácio, Brancura, Gaguinho Bicheiro e Madame Satã. Este último, tão próximo viveu de artistas, compositores e cantores que veio a ser até, mais tarde, acusado de provocar a morte do genial sambista Geraldo Pereira (1918-1955), após uma briga de bar na Lapa. Madame Satã não negava essa morte, pelo contrário. Gabava-se da façanha, até por certa dose de malandragem.

A verdade mais verdadeira é que a MPB sempre esteve mais para “falsos malandros”, com uma rica e honrosa excessão que deve ser feita a Wilson Batista. Wilson deixou sua Campos Natal ainda adolescente, para morar na capital com um tio, no subúrbio. Pressionado pelos parentes, que queriam a todo custo empregá-lo numa oficina mecânica, saiu de casa e foi morar sozinho nas proximidades da Lapa.

Logo começou a freqüentar a vida noturna, fazendo amizade com figuras conhecidas e respeitadas na “área”, como Madame Satã, Jorge Goulart, “Boi” (um misto de porteiro e leão-de-chácara dos cabarés), Ataulfo Alves, Miguelzinho Camisa Preta, Orestes Barbosa, enfim, o pessoal da noite.

Uma ocasião um ladrão invadiu a casa de Wilson Batista, na Lapa, dando de cara com o compositor que estava deitado na cama. O pessoal da casa começou a gritar e ele ali, calmo e tranqüilo. “O que você deseja aqui?”, perguntou. “Dinheiro”, respondeu o ladrão. “Então, devo informar que o amigo bateu na porta errada”.

Pegando o ladrão pelo braço, Wilson levou-o até a janela e disse: “Tá vendo aquela casa ali? Mora um industrial. Tá vendo aquela outra? Mora o grande ator Procópio Ferreira. Escolhe uma das duas, que aqui você não vai conseguir nada”. Autor de sambas geniais como Nega Luzia (“Lá vem a Nega Luzia/No meio da cavalaria/Vai correr lista lá na vizinhança/Pra pagar mais uma fiança/Foi calibrinha demais/Lá no xadrez ninguém vai dormir em paz”), Mundo de Zinco, Chico Brito (“Lá vem o Chico Brito/Descendo o morro na mão do Peçanha”), Samba rubronegro (“Flamengo joga amanhã/Eu vou pra lá/Vai haver mais um baile/No Maracanã/O mais querido tem Rubens, Dequinha e Pavão/Eu já rezei pra São Jorge/Pro Mengo ser campeão”) e tantos, tantos outros, Wilson Batista encarnou como ninguém o espírito malandro carioca, passando a vida a complementar os minguados trocados dos direitos autorais com os chamados “pequenos expedientes”: venda de samba, cafetinagem, empréstimos jamais honrados, trambiques e aprontos de toda espécie. Wilson vivia literalmente na malandragem, de corpo e alma. Seu espírito, sua linguagem e brincadeiras procuravam reproduzir as gírias e as emoções dos grandes malandros de sua época, a quem ele tanto admirava. Nas roupas, não dispensava o terno azul-marinho ou branco, camisa de seda pura, sapato cara-de-gato, cachecol branco caindo sobre os ombros, pepela larga levantada e navalha no bolso (durante um certo período de sua vida). Nunca usou a navalha, mas sabia que o instrumento ajudava a compor o tipo, porque “malandro que era malandro carregava sua navalha”. As cercanias da Praça Tiradentes, onde as prostitutas dos anos 50 trabalhavam, era um dos redutos de Wilson Batista. Alguns amigos dele contam que o compositor tinha algumas “minas” que trabalhavam para ele. No seu período de maior desenvoltura e convivência dentro da malandragem carioca, seus amigos mais chegados eram os irmãos Meira (traficantes e jogadores de chapinha), Miguelzinho Camisa Preta (bandido e arruaceiro), Capitão Lilizo (“armador” profissional, “segurança” de bandidos e de bicheiros).

Wilson viveu várias polêmicas em sua vida atribulada: com “comprositores” que lhe compraram sambas e não quiseram pagar, com mulheres e mulheres, com traficantes de quem, no fim da vida, comprava drogas na ilusão de aliviar a angústia provocada pelo esquecimento profissional. Mas a mais importante foi a polêmica com o fabuloso Noel Rosa, já registrada em disco. Wilson compôs um samba chamado Meu chapéu de lado (“Meu chapéu de lado/Tamanco arrastando/Lenço no pescoço/navalha no bolso”), Noel rebateu com Rapaz folgado (“Deixa de arrastar o teu tamanco/ Pois tamanco nunca foi sandália/(...)/E guarda essa navalha/Que só te atrapalha”) e o zunzunzum começou, com a produção de obras-primas da MPB, como Feitiço da Vila, Conversa fiada, Palpite infeliz e Terra de cego.

Como a grande maioria dos malandros, pelo menos dos malandros que não conseguiram ver “a foto na coluna social” e que jamais foram “candidatos a malandro federal”, Wilson Batista morreu na miséria. Consumido pela droga, o álcool e a depressão, lesado pelas sociedades arrecadadoras de direitos autorais e abandonado pela maioria dos amigos, cantou para subir no dia 7 de julho de 1968, numa enfermaria coletiva do Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro. Mas está por aí, pois qualquer malandrinho de porta de tinturaria sabe: quem samba fica.

Os maiores sucessos de Wilson Batista:

Acertei no milhar (com Geraldo Pereira, gravação original de Moreira da Silva, 1940). Balzaqueana (com Nássara, gravação original de Jorge Goulart, 1950).
Boca de siri (com G. Augusto, gravação original de Odete Amaral, 1941).
O Bonde São Januário (com Ataulfo Alves, gravação original de Ciro Monteiro, 1940).
Cabo Laurindo (com Haroldo Lobo, gravação original de Jorge Veiga, 1945),
Chico Brito (com Alberto Teixeira, gravação original de Dircinha Batista, 1950).
Dolores Sierra (com J. de Castro, gravação original de Nelson Gonçalves, 1956).
E o 56 não veio (com Haroldo Lobo, gravação original de Déo, 1944).
Frankenstein da Vila (gravação original de Roberto Paiva, de 1956).
Inimigo do batente (com Germano Augusto, gravação original de Dircinha Batista, 1939).
Lá vem o Ipanema (com Marques Jr. e Roberto Martins, gravação original de Déo, 1957). Largo da Lapa (com Marino Pinto, gravação original de Carlos Galhardo, 1942).
Lenço no pescoço (gravação original de Silvio Caldas, 1953, regravação de Roberto Silva, 1958).
Louco, ela é seu mundo (com Henrique de Almeida, gravação original de Araci de Almeida, 1947).
Mãe solteira (com J. de Castro, gravação original de Roberto Silva, 1954).
A mulher que eu gosto (com Ciro de Souza, gravação original de Ciro Monteiro, 1941). Mundo de Zinco (com Nássara, gravação original de Jorge Goulart, 1952).
Mulato calado (com Benjamim Batista Coelho, gravação original de Clementina de Jesus, 1967).
Nega Luzia (com J. de Castro, gravação original de Ciro Monteiro, 1956).
Oh, Seu Oscar (com Ataulfo Alves, gravação original de Ciro Monteiro, 1939. Depois, este samba mereceu pelo menos mais umas dez regravações).
Pedreiro Waldemar (com Roberto Martins, gravação original de Blecaute, 1949).
Rosalina (com Haroldo Lobo, gravação original de Jorge Veiga, 1945).
Samba rubronegro (com J. de Castro, gravação original de Roberto Silva, 1955).