Memória

Synval Silva: o centenário do homem que conduziu Carmen Miranda ao sucesso

Por Gerdal José de Paula - 04/01/2011

"Taí o samba que você pediu, Marina/taí, eu fiz tudo e você desistiu, Marina/taí, meu amor, toda a minha afeição/e você vai me matando pouco a pouco de paixão..." Era 1968, ano da I Bienal do Samba, na TV Record, e, com essa outra "Marina", bem mais espevitada no ritmo e no proceder que a de Caymmi, Synval Silva, com a interpretação de Noite Ilustrada, brilhava numa das eliminatórias da contenda musical, ganha por Elis Regina com "Lapinha", de Baden Powell e Paulo César Pinheiro.

"Marina" é um samba que o próprio Synval regravou, aos 61 anos, na faixa de abertura do único elepê que lançou, em 1973, com arranjos de Nelsinho e Peruzzi, pela série Documento da RCA. Parceiro de Nélson Trigueiro em "Crioulo Sambista" ("Quase todo crioulo do morro é sambista/toda mulata bonita é artista/desempenha diversos papéis sozinha/à noite, ela samba no morro/de dia, ela enfrenta a cozinha...") e de Herivelto Martins em "Negro Artilheiro" ("Roda de samba de negro não tem mais cachaça/há muito negro artilheiro defensor da raça..."), Synval também deu emissão própria, na faixa final desse disco, à sua bela exaltação, de recorte clássico, "Brasil, Explosão do Progresso" – feita com Jorge Melodia –, um samba-de-enredo que embalou o desfile de 1973 da Império da Tijuca, escola de samba da qual foi fundador, baseada no mesmo Morro da Formiga de recente UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), na Tijuca, onde morou por muito tempo.

"Coração, governador da embarcação do amor/coração, meu companheiro na alegria e na dor/a felicidade procurada corre/e a esperança é sempre a última que morre.." Esse samba, "Coração", foi uma das vias, nem sempre bem pavimentadas, pelas quais Synval Silva, motorista particular de Carmen Miranda, conduziu-a ao concorrido destino do sucesso. O mesmo percurso ela fizera com "Arlequim de Bronze" ("Ó Deus, eu me acho tão cansada/ao voltar da batucada/que tomei parte lá na Praça Onze/ganhei no samba um arlequim de bronze/minha sandália quebrou o salto/e eu perdi o meu mulato lá no asfalto...."), outro samba de Synval, de cujas piadas a Pequena Notável ria-se à larga, não raro arranjando-lhe um bico de corista em gravações ou mesmo em algumas das suas apresentações. Se Carmen foi reverenciada, em 2009, pelo seu centenário de nascimento, também é justo que, pela mesma razão, Synval Silva seja louvado neste 2011, já que nasceu em 14 de março de 1911, mineiro de Juiz de Fora (da mesma cidade de Geraldo Pereira) que, após ter valorizado a nossa música popular, guardava no lenço uma lágrima sentida e dava o seu adeus à batucada em 14 de abril de 1994.

"Adeus, adeus/meu pandeiro do samba, tamborim de bamba/ já é de madrugada...."

Pós-escrito: 1) dedico estas linhas de preito pessoal a Synval Silva ao cantor Carlos Mauro, do conjunto Tio Samba. O Tio Samba, juntamente com uma cantora admirável, Simone Lial, fez magnífica reminiscência, "É Batata!", da trajetória de Carmen Miranda em vários shows, registrada em um belo CD. Vi o espetáculo por três vezes no Centro Cultural Carioca, quando, com toda a propriedade, Carlos Mauro, também condutor da narrativa e fã de Synval, sublinhou que se trata de um compositor não tão conhecido ou destacado, como deveria; 2) nos "links" seguintes, a) "Adeus, Batucada" pelo autor, Synval Silva; b) o mesmo samba nas vozes harmoniosas do paulistano Terno de Damas; c) um samba-exaltação de Synval, gravado por Carmen Miranda em 1937, "Gente Bamba", é ouvido na interpretação da baiana Miramar Mangabeira; d) "Arlequim de Bronze" ("Ao Voltar da Batucada") na voz de "La Miranda".