Memória

Relembrando Cartola

Por Alberto Buaiz Leite - 29/10/2018

“Amor vem agora/Ver o esplendor do luar/A noite é linda senhora/E o poeta vai acordar/Desperta Cartola/Vem pra avenida/Se a Mangueira é uma porta aberta/Você é a razão da sua vida”. Com estes versos, os compositores Heraldo Faria, Geraldo Neves e Flavinho Machado, num samba de enredo de 1983, da Estação Primeira, homenagearam o grande Agenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola. Nosso homenageado nasceu em 11 de outubro de 1908, no Rio de Janeiro, no bairro do Catete e hoje comemoramos os 110 anos de seu nascimento.
     Passou parte da infância no bairro onde nasceu. Aos 8 anos, a família mudou-se para Laranjeiras e lá o menino teve o primeiro contato com a música, participando do rancho carnavalesco “Arrepiados”, onde seu pai tocava cavaquinho. Quando tinha 11 anos, por dificuldades financeiras, a família mudou-se para o morro da Mangueira. Começou a trabalhar ainda criança, inicialmente como auxiliar de tipógrafo e depois na construção civil. Nesta última ocupação é que ganhou o apelido que o acompanhou por toda a vida. Para evitar que o cimento caísse em sua cabeça, passou a usar um chapéu coco que todos chamavam de cartola. Daí ficou o apelido. Aos 15 anos de idade, perdeu a mãe e a esta altura, já tinha uma vida boêmia, ao lado de Carlos Cachaça, seis anos mais velho que ele, mas seu grande amigo. Seu pai, não aprovando a vida que o rapaz levava, o expulsou da casa e mudou-se da Mangueira com os outros filhos. Sozinho no morro, o garoto recebeu os cuidados de uma vizinha, Dona Deolinda, sete anos mais velha que ele, casada e com uma filha. Alguns anos depois, houve um envolvimento amoroso entre os dois e ela deixou o marido para viver com ele.
     Em 1926, o compositor entrou, definitivamente, no mundo do samba fundando, junto com Carlos Cachaça, Zé Espinguela, Saturnino e outros sambistas, o “Bloco dos Arengueiros”. Dois anos depois, o bloco fundiu-se com outros existentes no morro, dando origem a Estação Primeira de Mangueira cujas cores foram sugeridas por Cartola. No seu primeiro desfile, foi cantado um samba de sua autoria, “Chega de Demanda”. A partir daí, ficou conhecido e passou a ser procurado por cantores da época como Francisco Alves e Silvio Caldas e que queriam conhecer suas músicas. Seu primeiro grande sucesso gravado foi “Divina Dama”, lançado pela Odeon, em 1933, na voz de Francisco Alves. Vieram outros sucessos como “Acontece”, “As Rosas não Falam”, “Corra e Olhe o Céu”, com Dalmo Castelo, “O Mundo é um Moinho”, “O Sol Nascerá”, com Elton Medeiros, ”Não Quero Mais” com Zé da Zilda e Carlos Cachaça e “Tive Sim”. Vale destacar um belíssimo samba de enredo que compôs com Carlos Cachaça para o desfile da verde e rosa, em 1948, “Vale do São Francisco”. Na década de 1940, atuou no radio, no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde fez apresentações com o “Conjunto Carioca” formado por ele, Heitor dos Prazeres e Paulo da Portela.
     Em 1946, o compositor contraiu meningite. No ano seguinte, depois de curado, ficou viúvo de Deolinda. Ficou meio desiludido e acabou deixando o morro de Mangueira. Ficou afastado do samba por cerca de dez anos. Quem o trouxe de volta ao morro foi Dona Zica, cunhada de Carlos Cachaça e passaram a viver juntos. Mas o seu retorno ao samba ocorreu graças ao jornalista Sergio Porto que o encontrou, em 1956, lavando carros numa garagem em Ipanema.
Com sua influência, Sergio reintegrou o compositor ao meio artístico, conseguindo um emprego para ele, na Rádio Mayrink Veiga.
     Na década de 1960, Cartola já estava, novamente, no meio artístico, na companhia de Zé Keti, Elton Medeiros, Nelson Sargento e outros. Em 1963, tornou-se mais conhecido quando inaugurou, junto com esposa Zica, o restaurante e casa de samba, Zicartola, na Rua da Carioca. O local ficou famoso e tornou-se um reduto de sambistas, jornalistas e intelectuais da época.
Na década de 1970, conseguiu o sucesso fonográfico. Em 1974, gravou seu primeiro LP, pelo selo Marcus Pereira, com produção de Pelão. O disco fez enorme sucesso e abriu caminho para outros lançamentos. Em 1976, 1977 e 1979 três outros LPs foram lançados, sempre com muitos elogios da crítica. Isto levou o poeta a fazer apresentações em vários estados do Brasil.
O sucesso o acompanhou até o final da vida. Infelizmente um câncer o atingiu, em 1977, acarretando muitas complicações de saúde, culminando com seu falecimento em 30 de novembro de 1980. Mas seu nome não foi esquecido. Sua obra é cantada e gravada até os dias de hoje e seu nome é lembrado como um grande ser humano, amigo e solidário com todos que com ele conviviam.