Memória

Quando o Chico Viola morreu

Por Luís Pimentel - 28/09/2011

“Chora Estácio, Salgueiro e Mangueira/
Todo o Brasil emudeceu/
Chora o mundo inteiro/
O Chico Viola morreu/
Na voz do seu plangente violão/
Ele deixou seu coração/
Partiu, disse adeus, foi pro céu/
Foi fazer, foi fazer/
Companhia a Noel.”

(Chico Viola, de Wilson Batista e Nássara)


“Até a lua do Rio/
Num céu tranqüilo e vazio/
Não inspira mais amor/
O violão desafina/
Porque chora em cada esquina/
A falta do seu cantor...”

(Francisco Alves, de Herivelto Martins e David Nasser)

Ele morreu há 59 anos, no dia 27 de setembro. Foi considerado por muitos o maior cantor do Brasil de todos os tempos (para outros, este título pertencia a Orlando Silva). Foi considerado também um comprador de sambas, carregando a fama de exigir seu nome nos créditos da canção alheia para poder gravá-la. Consta que Cartola e Ismael Silva tiveram que ceder inúmeros sambas para ele, em troca da gravação e de alguns caraminguás para o conhaque. Mas Francisco Alves foi também um artista muito querido por seus pares e amigos. O que provam, por exemplo, as duas homenagens póstumas acima prestadas por compositores do prestígio de Wilson Batista, Nássara, Herivelto Martins e David Nasser. As opiniões se dividiam quando o assunto era o caráter do Chico Viola (pseudônimo com qual assinou algumas autorias), mas quanto a um tema não existia controvérsia: era o rei da voz, dono de um gogó admirável.

O maior cantor do Brasil (insisto: para alguns, João Gilberto entre eles, esse título sempre pertenceu a Orlando Silva) foi também o que mais gravou. Em 33 anos de carreira (1919-1952) colocou na praça 525 discos em 78 rotações. Foram 983 gravações que serviram para revelar os nomes de compositores como Ary Barroso, Cartola, Ismael Silva e Lamartine Babo, além de cantores como Mário Reis, Dalva de Oliveira e Carmem Miranda, que com ele dividiram o microfone.

Francisco de Moraes Alves nasceu no Rio de Janeiro, no século retrasado, dia 19 de agosto de 1898. Era filho de imigrantes portugueses e começou a trabalhar aos 18 anos de idade, em uma fábrica de chapéus. Ainda na juventude flertou com o teatro, fazendo parte da Companhia de Espetáculos João de Deus Martins Chaves. Descoberto pelo compositor Sinhô (José Barbosa da Silva, 1888-1930), em 1919 gravou três sambas dele que fizeram muito sucesso no carnaval do ano seguinte: O pé de anjo, Fala meu louro e Alivia estes olhos.

Uma coisa jamais se contestou na carreira de Chico Viola: a versatilidade. Colocou sua voz a serviço de quase todos os gêneros musicais. Gravou sambas, marchas, canções românticas, toadas, maxixes, paródias, hinos, o que caiu em suas mãos. Também deu seus pitacos como instrumentista, tendo feito alguns discos em dueto de violões com o craque do instrumento Rogério Guimarães.

Francisco Alves jamais esquentou banco nas gravadoras. Passou por praticamente todas elas, principalmente as grandes. Gravou na Odeon (242 discos, de 1927 a 1934), Parlophon (57 discos, de 1928 a 1931), R.C.A (48 discos, de 1934 a 1937), Odeon novamente (26 discos, de 1937 a 1939), Colúmbia (15 discos, de 1939 a 1941) e outras.

Reconhecido pelos brasileiros como o maior nome do rádio e dos estúdios de gravação durante toda a sua trajetória artística, Francisco Alves teve a carreira interrompida no auge do sucesso, em 24 de setembro de 1952, por um acidente de carro. O Buick de sua propriedade chocou-se com um caminhão, na Via Dutra, e o artista morreu na hora. O país parou para chorar, por vários dias, a perda do grande ídolo.

Por ter trabalhado tanto, Francisco Alves gravou quase tudo o que se ouviu em sua época. Canções de qualidade e outras que foram ao disco apenas para cumprir tabela com as gravadoras. Mas algumas gravações marcaram profundamente os seus admiradores. Chuá-Chuá, Não quero saber mais dela, A malandragem, Deixa essa mulher chorar, Nem é bom falar e O que será de mim? (“Se eu precisar algum dia/De ir pro batente/Não sei o que será/Pois vivo na malandragem/E vida melhor não há...”).