Memória

Orlando Silveira: 20 anos sem o doce acordeom

Por Gerdal José de Paula - 20/12/2012

Do pai, ferroviário e instrumentista amador, Orlando Silveira (fotos abaixo), após breve contato com o cavaquinho, herdou a afinidade eletiva pelo fole, aprendendo a tocá-lo com esse primeiro professor aos 12 anos. Cinco anos mais tarde, viriam as primeiras noções de teoria musical, suficientes para, pouco depois, nos albores da década de 40, chegar a São Paulo, vindo de Rincão, no interior do estado, e tentar a sorte no rádio. Esta logo lhe sorriu por meio de um amigo, também acordeonista, Arnaldo Meirelles, de cuja recomendação, além de contrato assinado na Tupi, surgiria o ingresso no famoso regional do violonista Antonio Rago, em que teria no cavaquinista Esmeraldino Salles (evocado por Laércio de Freitas em ótimo elepê do Estúdio Eldorado, "São Paulo no Balanço do Choro – Ao Nosso Amigo Esmê", de 1980) um significativo parceiro em várias músicas.

No entanto, em 1951, o destino, como que em expansão sanfonada, reservaria a Orlando, desta vez na Rádio Nacional, na Praça Mauá, e com a intermediação de Luiz Gonzaga, a grande viagem da sua vida profissional, a qual lhe propiciou, de imediato, ingresso em renascente regional, o de Canhoto (após troca de comando entre o flautista antecessor, Benedito Lacerda, e esse cavaquinista). Transitava, portanto, Orlando já por endereços do Rio de Janeiro, então capital da República, aonde, em outro deles, também faria convergência constante: o da gravadora Odeon, em que, por muito tempo, a partir de 1956, teria destaque como arranjador, mister para cuja eficiência e brilho certamente foi de muita valia o verniz teórico obtido como discípulo dos maestros Hans-Joachim Koellreutter, Leo Peracchi e Henrique Morelembaum.

A exemplo de Horondino Silva, sete-cordas do grupo de Canhoto, o centenário Gonzagão foi mais um dos parceiros de Orlando Silveira, que, do rei do baião – e antes dele –, ainda pelo regional de Rago, em Sampa, fizera o primeiro registro, em 1949, de "Juazeiro", acompanhando Solon Sales – na verdade, como observou o saudoso professor e pesquisador Abel Cardoso Jr., há dois registros com esse cantor sorocabano, sendo o segundo deles, por exigência do insatisfeito letrista, Humberto Teixeira, para "desacertar" a prosódia, em respeito à autenticidade da expressão sertaneja. Se numerosos artistas – como o Lua, em muitos discos – tiveram faixas vestidas por arranjos de Orlando, este também prestou notável serviço a si mesmo em vinis a que o acordeom, além de tocado "para dançar", comparecia, caracteristicamente, com acento ora chorão, ora seresteiro, em lavra própria ou revivendo, por exemplo, a lira de compositores como Zequinha de Abreu e Gastão Lamounier.

Com bela imagem do Rio de Janeiro na capa, gravou, para a Capitol, em 1956, em companhia da pianista Carolina Cardoso de Menezes, um elepê de samba e baião nunca reeditado aqui e, seis anos adiante, percorrendo toda a Europa e parte do Oriente Médio, figurava na Quinta Caravana da Música Popular Brasileira – com o cavaquinista Waldir Azevedo, o cantor Francisco Carlos, o violonista Poly e o baixista Dalton Vogeler, entre outros artistas –, com apoio e patrocínio do governo federal.

O dia 22 de dezembro de 2013 marcará dois decênios sem Orlando em palco ou estúdio, ele que, um decênio antes de morrer, formara-se em Direito pela Gama Filho – um "tribuno", alíás, já ilustre e desenvolto, com o seu instrumento e a sua partitura, na defesa da nossa música popular, independentemente do canudo de papel da universidade a que, é claro, faria jus.