Memória

O centenário de Gilberto Alves

Por Gerdal J. Paula - 16/01/2015

"Palha de aço, palha de aço...", gracejavam, em coro, funcionários da Rádio Tupi, do Rio de Janeiro, à passagem de Gilberto Alves (fotos abaixo) e dos seus cabelos crespos por corredor da emissora, ao que ele, afetando contrariedade, respondia, no "clima" da melodia e numa rima chula de Brasil, com um impropério useiro e vezeiro na boca da gente. A música parodiada, então na parada de sucessos, era a rumba "La Cucaracha", e, logo em seguida, todos - o cantor, sempre alegre, e os gozadores, seus amigos - caíam na gargalhada com a brincadeira, vez por outra repetida.

Um desses amigos dele, também portador de carapinha, era o meu pai, então contrarregra da PRG3, o qual, décadas adiante, por largo período, reveria Gilberto quando este vinha de São Paulo, onde se fixara. Em café das imediações do Hotel Itajubá, na Rua Álvaro Alvim, no Centro, em que Gilberto se hospedava, encontravam-se para um bate-papo a que não faltavam situações vividas naqueles "bons tempos" com os quais os "velhos tempos" costumam ser coloridos pela saudade. Se a popularidade dos áureos idos do rádio havia declinado para o cantor, a sua voz, no entanto, conservava o viço, a extensão e a clareza de que as suas interpretações não careceriam, sempre que, mais raramente, era convidado para cantar em uma ou outra atração do rádio ou da tevê.

Carioca nascido na Saúde e criado em Lins de Vasconcelos, na Zona Norte, Gilberto Alves cedo se enfronhou no ambiente musical. Frequentou, bem moço, o Café Nice, onde conheceu astros como Grande Otelo e Sílvio Caldas, período em que, no subúrbio, levando a vida em serenata, já se salientava ao sabor exuberante do bel canto. Em torno de 1935, observado por Almirante numa dessas reuniões da cantoria sentimental, recebeu convite para aparecer na Rádio Clube do Brasil e, assim, defender seus primeiros cachês, indo em seguida, levado pelos compositores Nássara e Cristóvão de Alencar (amigos que fizera numa seresta em Vila Isabel), para a Rádio Guanabara, na qual foi atração do programa de Luiz Vassalo, até firmar-se, por muito tempo, a partir do início dos anos 50, no "cast" da Tupi. Seus sucessos musicais provieram, sobretudo, dos mananciais do samba (e até do "de raiz": gravando, por exemplo, "Rosa Maria", dos salgueirenses Éden Siva, o Caxinê, e Aníbal Silva, além de levar ao disco, pela primeira vez, em 1941, um de enredo, "Natureza Bela", que embalou o desfile vitorioso da Unidos da Tijuca em 1936) e da valsa (esta condizente com o passado seresteiro e de nítido reflexo, na sua discografia, por elepês que, já no título, reiterado - "E as Valsas Voltaram" - volumes I, II e III -, também saudavam o seu reencontro com ela).

Em 4 de abril de 1992, pouco antes de completar 77 anos e já aposentado da lida artística, esse ex-sapateiro bateu as botas, em Jacareí, após anos morando em outra cidade paulista, Cesário Lange, onde teve programa de rádio. Nascido em 1915, completaria, portanto, no próximo 15 de abril, o seu centenário. Viver é também recordar.