Memória

O belo sopro de Luiz Americano

Por Gerdal J. Paula - 09/12/2014

 "Beautiful!", exclamou Benny Goodman, fazendo, em sua casa, com o polegar e o indicador da mão direita unidos em círculo, um conhecido gesto de aprovação para o visitante Ari Barroso, após mostrar-lhe uma gravação que, particularmente, encantava esse mundialmente famoso clarinetista e chefe de orquestra dos States: "É do Que Há", com o próprio autor: Luiz Americano (fotos abaixo).

Fluía a década de 50, quando, nesse encontro, tal menção honrosa, pelo alto relevo do elogiador, já valia, informalmente, ao destacado músico de Aracaju - a mesma capital natal do trombonista Zé da Velha -, um sensível reconhecimento e motivo de enlevo. Filho de mestre de banda, Jorge Americano Rego, com o qual teve as primeiras lições musicais, Luiz Americano, assentando praça no Exército ainda em sua cidade, tornou-se clarinetista na banda da corporação e, assim, algum tempo depois, em 1921, chegava ao Rio de Janeiro, largava a farda e logo se firmava como um sopro de respeito e inovador, que não se prendia tanto à pauta na hora de tocar - também as próprias composições -, improvisando e até mesmo, ao clarinete, ornamentando execuções com efeitos curiosos, como o de uma sonora gargalhada.


Não obstante ter vivido de 1928 a 1931 na Argentina, atuando profissionalmente em orquestras portenhas, Luiz Americano não gostava de viajar, recusando diversos convites para se ausentar do país a trabalho, um deles simplesmente formulado, em 1938, por Carmen Miranda para ser um dos seus "sidemen" nos EUA.

Ainda nos anos 20, na Velhacap, foi integrante de importantes orquestras, como as de Romeu Silva e Simon Bountmann, formando mais tarde conjuntos próprios dos quais participariam instrumentistas de mérito, como o bandolinista Luperce Miranda e o violonista Tute, idealizador e pioneiro do sete-cordas, componente ainda dos Oito Batutas. A partir de 1932, Luiz Americano toca com Pixinguinha, João da Baiana e Donga, entre outros, no Grupo da Velha Guarda; em 1936, com Radamés Gnatalli ao piano e Luciano Perrone à bateria, constitui o Trio Carioca, nome dado pelo então diretor da RCA, o notório Mr. Evans (inspirado em bem-sucedido trio norte-americano, com Benny Goodman, Gene Krupa, baterista, e Teddy Wilson, pianista); e, em 1940, faz parte de célebre gravação realizada pelo maestro Leopold Stokowski a bordo do navio Uruguai, ancorado na baía de Guanabara, para o disco "Native Brazilian Music".

Autorreferente em suas criações, como nos choros "Luiz Americano na PRE-3" e "Luiz Americano de Passagem pela Arábia", compôs também valsas, polcas, cocos, calangos e baiões, em repertório em que também avultam, por exemplo, "Numa Seresta", "Lágrimas de Virgem", "Garrincha" e "Intrigas no Boteco do Padilha". Nascido em 1900, silenciariam para sempre, há 54 anos, num dia 29 de março, numa casa em rua calma de Brás de Pina, o seu clarinete e o seu saxofone. Um músico magnífico de nossa terra, para quem Gilson Peranzzetta - vizinho dele, ainda menino, em casa próxima no mesmo bairro - compôs o choro lento "Americano, Só Luiz", tirando onda, por tabela, no ano da gravação, com a também finada era Bush.