Memória

Nelson Ferreira: no passo do frevo, o saudoso maestro das evocações

Por Gerdal José de Paula - 28/02/2013

"Na alta madrugada/o coro entoava/do bloco a marcha-regresso/e era o sucesso/dos tempos ideais/do velho Raul Morais/adeus, adeus, minha gente/que já cantamos bastante/Recife adormecia/ficava a sonhar/ao som da triste melodia"

“Feiticeiro do piano, foi fixador dum tempo que as suas valsas revivem como se estivessem falando. Se, meia hora antes de sair o meu enterro, tocarem as valsas do Nelson Ferreira (fotos abaixo), velhas valsas tão íntimas do meu mundo, irei em paz, sonhando." Assim, o escritor Nilo Pereira reverenciou um grande pernambucano de Bonito, no agreste do estado, e valsas que embalaram reuniões familiares e bailes em clubes sociais de todo o Nordeste, antes que Nelson, também versado como autor em outros ritmos, se notabilizasse no passo ágil do frevo.

Em 1957, com a gravação da sua "Evocação Número 1" (dos versos acima) pelos Batutas de São José, ele estourava no carnaval de todo o Brasil. A propósito, custava-lhe crer nesse êxito bombástico da sua lavra, com ressonância nacional a partir do Rio, aonde veio, pouco após a folia, para ainda sentir de perto o reflexo daquilo que, em especial, soubera por amigos exultantes: a Velhacap no embalo do seu frevo. Em reportagem da revista "Radiolândia", de abril daquele ano, declarou a respeito: "Tive intenção apenas documentária quando apanhei os Batutas de São José para fazer a gravação da música. Todos os ritmos do carnaval de Recife já estavam em disco, menos o frevo de bloco. Reuni o bloco com suas flautas, clarinetas, violinos, cavaquinhos. bandolins, banjos, violões e somente 25 moças. 

E, contando com a boa vontade da Mocambo, procedi à gravação do meu antigo fevo, em que pretendi prestar uma homenagem a Felinto de Morais. Fenelon Moreira, Guilherme de Araújo e Pedro Salgado, que foram figuras de proa dos blocos das Flores, Pirilampos, Andaluzas e Apois Fum. Minha melodia não tinha pretensão a sucesso. Quis apenas registrar uma gratidão às figuras que, no passado, muito fizeram pela música e pelas tradições do carnaval do Recife." 

Outras belas e memoráveis evocações, até a sétima (final), destacando ainda a proa nacional de figuras como Manuel Bandeira, Lamartine Babo e Francisco Alves, viriam da centelha verde-amarela de Nelson Ferreira, então já bem conhecido na capital do Leão do Norte, onde havia muito residia - e ainda residiria. Lá, na Rádio Clube, em 1931, teve início profissional, como regente de orquestra, e, nessa emissora, atuou por longo período, também produzindo programas, como "A Hora Azul das Senhorinhas", do qual foi locutor, e, como pianista, tocando em apresentação de cantores como Aracy de Almeida, Gilberto Alves, Dircinha Batista e Nelson Gonçalves, sempre que passavam por lá, os quais se tornaram seus amigos e gravaram músicas dele..Ainda na PRA-8 (que, em 1950, ele trocaria pela Tamandaré), teve como atração própria "Quarto de Hora", no qual acompanhava artistas destacados da cena local. como Eribaldo Alcoforado e Aline Branco, e, em solos, sendo ele "o cara das evocações", revivia belas páginas da MPB. Fazendo lembrar, em lúdico procedimento, o "dois em um" Moacyr Silva e Bob Fleming (este um "alter ego" anglófilo do saxofonista mineiro em sacada comercial do produtor Nilo Sérgio), Nelson, no referido programa, apresentou, certa vez, como se não fossem ele mesmo, dois outros pianistas, Heráclito Alves e Da Costa e Silva, que, por vezes, o "substituíam", sem que os ouvintes percebessem a broma e até manifestassem preferências por este ou aquele. No dia 9 de dezembro do ano passado, completaram-se 110 anos quanto ao nascimento do maestro, que, mesmo sendo torcedor do Santa Cruz, estendeu seu sucesso autoral a tradicionais clubes rivais, o Sport Recife e o Náutico Capibaribe, devido à adoção, como hinos informais, de composições suas pelas respectivas torcidas: "Cazá, Cazá", pelos rubro-negros, e "Come e Dorme", pelos alvirrubros. 

Apesar de, em praça chamada Nelson Ferreira, em Recife, um busto, ainda em sua intenção, ter sido erigido, lamentava Fernando Calheiros, no "Jornal do Commercio", quando da morte do Moreno Bom (assim chamado entre amigos), que, no derradeiro carnaval da vida dele, animasse, na Bahia, com o seu frevo a futura capital do axé. Por falta de convite para abrilhantar bailes locais, o autor de "Pernambuco, Você É Meu", que passou à história da MPB, sobretudo, por uma doce recordação de Recife, amargava, segundo o colunista, naquele 1976 (a caminho dos 74 anos de idade, que chegaria a alcançar), o esquecimento de uma cidade tornada sua.