Memória

Nelson Cavaquinho

Por Luís Pimentel - 19/10/2004

“Fui o pior soldado da história da polícia Militar do Rio de Janeiro!”, disse ele, certa vez. E não estava exagerando. Começou a vida como cavalariano no Batalhão de Cavalaria da PM, onde ficou sete anos. Metade em cima do cavalo, metade na prisão. Foi o mais assíduo hospede do xadrez do quartel da Rua Evaristo da Veiga:

– Era bom pegar cana. Se não fosse o xadrez do batalhão, eu não teria feito muito samba de sucesso. Às vezes ficava um mês confinado. Então aproveitava a tranqüilidade para compor – disse ele, numa entrevista.

Nelson Antônio da Silva nasceu no Rio de Janeiro, no dia 28 de outubro de 1911. Outros documentos registram o ano de 1910, o que fez com que diversas comemorações pelos seus 90 anos tivessem acontecido no ano 2000. Ele afirmava ser de 1911 e atribuía ao pai o registro feito com data de um ano antes, para apressar sua entrada na PM. Quando sentou praça, recebeu as rédeas de um cavalo. Tinha que fazer a ronda montado, apesar de morrer de medo do animal. No meio do caminho desistia da ronda e deixava o cavalo amarrado em uma cerca no pé do Buraco Quente, no Morro da Mangueira. Ali varava as noites com os amigos e depois parceiros Cartola, Carlos Cachaça e Zé Com Fome. Voltava para o quartel dias depois, sem a montaria – que geralmente se soltava e ficava vagando e pastando pelas ruas. Aí, tome xadrez, para aumentar a produção musical.

Pouco antes de morrer ele estimou sua produção em algo em torno de 800 músicas, cerca de 400 gravadas, umas 100 inéditas e “pelo menos 300 vendidas, totalmente ou só a parceria”. Apesar dos números, quando partiu, no dia 18 de fevereiro de 1986, deixou apenas uma minguada pensão do antigo INPS e uma casa da Cohab em Vila Esperança, lugarejo escondido no bairro carioca de Jardim América. Ali teve a felicidade de reencontrar e ser vizinho de um grande amigo e parceiro, o nobre portelense Jair do Cavaquinho. Fizeram pelo menos duas obras-primas: Vou partir, em 1965, e Eu e as flores, em 1969.

Nelson Cavaquinho teve vários parceiros, entre as parcerias “armadas” – com aqueles que pagavam para entrar nos créditos do samba – e as verdadeiras. Entre essas um nome desponta: o grande poeta Guilherme de Brito, com quem Nelson legou à história da MPB preciosidades como Quando eu me chamar saudade, A flor e o espinho, que já mereceu inúmeras regravações, Folhas secas, Cinzas, Pranto do poeta, Degraus da vida e tantas outras. Cantores como Clara Nunes, Elizeth Cardoso, Cristina Buarque, Chico Buarque, Beth Carvalho e Paulinho da Viola já gravaram e regravaram a dupla Nelson/Guilherme de Brito, uma eterna garantia de bom gosto.

A primeira gravação só aconteceu em 1943, o samba Não faças vontade a ela, parceria com Henricão e Rubens Campos. Nelson compunha aonde chegava, até porque sempre costumava ficar por um bom tempo. Metade de sua obra foi feita em bar (seu primeiro lar), pois tinha amigos muito próximos e um fígado invejável. Abordou vários temas, mas jamais quis se envolver com o carnaval. Sobre isto, certa vez deu uma explicação:

– Música é idéia. Não faço música com livro de história do lado. Depois, esse negócio de samba-enredo dá uma confusão danada.

Claro que sabia das coisas.