Memória

Moacyr Silva: o sopro correto

Por Gerdal José de Paula - 28/05/2013

Antes de o mendense Zito Righi virar Bob Fleming, esse personagem fonográfico (uma sacada comercial de fins dos anos 50 do cantor e compositor Nilo Sérgio, do selo Musidisc, associada à gravação de sucessos do "hit parade" com músico daqui), teve em outro saxofonista um executante destacado e muito comentado.

Era este Moacyr Silva, nascido em Conselheiro Lafaiete e injustamente esquecido, que teve, sobretudo nos anos 50 e 60, sua vitrine artística, tanto em boates, como Vogue, Au Bon Gourmet e Meia-Noite (esta no Copacabana Palace), como no vinil, na Copacabana, da qual seria ainda produtor e diretor musical. Por conta dessa cancha, dotava-se de versatilidade o sopro seguro e encorpado, correto e sem preciosismo desse, inicialmente, flautista que se faria notar como um tenorista de respeito, filho de Dornélio Silva, mestre de banda da supracitada cidade mineira. Moacyr, que, aos 10 de idade, já se insinuava como promessa em outra "furiosa" local, a do Centro Operário, integraria, oito anos depois, com o seu instrumento, uma formação militar, a da banda do Exército, no Rio de Janeiro, a antiga capital federal onde "aquele som" característico da sua palheta de fé se firmaria. Passando ainda por circos, cassinos, gafieiras, cabarés e rádios e tocando nas orquestras de Fon-Fon, Zacarias e Peruzzi, esse bamba dos bailes e autor do clássico choro "Sugestivo" abreviaria a carreira, em 1982, por causa de um derrame, falecendo, aos 84 de idade, vinte anos depois.

Curiosamente, nos idos em que, sem transtorno psicótico, viveu sua "dupla personalidade" no disco, conheceu, por meio daquele "alter ego" de apelo anglófilo (em elepês sem foto, sem informação biográfica e sem ficha técnica), vendagem expressiva, acima da mealha que antes ou depois desse período - sustentando um pseudônimo ou "sendo sustentado" por este - conseguiria. Um episódio, aliás, intrigante quanto ao comportamento de grande parte dos consumidores do ramo, gente com aquela "mania da exibição" ("d`après" Noel Rosa), a cujos ouvidos elitizados Bob soa melhor que Moacyr, assim como Pierre Kolman melhor que Britinho (pianista) e Maurice Monthier melhor que Carlos Monteiro de Souza (maestro) . E Moacyr, como tal no RG, "all by himself", faria outros discos particularmente memoráveis, como os gravados com uma meiga Elizeth Cardoso e, também em série, como um "convite à música", com outra cantora surgida na noite carioca, Marisa Gata Mansa.

Além do mérito individual, a figura de Moacyr Silva, por nos levar, nos anos 50 e 60, a luares inesquecíveis de um Rio ainda ameno e concorrido em diversão e boa música, suscita, em consequência, com extensão no estúdio da Copacabana, todo um escrete de instrumentistas, hoje pouco evocados, com os quais ele atuou com muita frequência, até mesmo em "combos" que liderou: entre outros, Aurino (sax barítono), Maurílio Santos e Júlio Barbosa (trompete), Paulo Moura (clarinete), Edmundo Maciel e Nelsinho (trombone), Waltel Branco (guitarra), Chaim Lewack, Sacha Rubin e Fats Elpídio (piano), Raul Gagliardi, Rodolfo Taranto e Jorge Marinho (baixo), Paulinho, Hanestaldo Américo, Edson Machado, Ohana e Dom Um (bateria) e Raul Marques, Rubens Bassini e Geraldo Barbosa (ritmo, com o último também atuando como arregimentador da referida gravadora). Satisfação garantida era com eles mesmos.