Memória

Ismael Silva, o amigo do Nestor e do Antonico

Por Luís Pimentel - 17/09/2012

Ele nasceu em Niterói, no comecinho do século passado (14 de setembro de 1905). Mas é filho legítimo do Estácio de Sá, bairro do Rio de Janeiro que hospedou grandes sambistas e onde nasceu, em 1928, a primeira escola de samba, a Deixa Falar, que desfilou nos carnavais de 29, 30 e 31. O Estácio, onde Ismael Silva chegou aos três anos de idade (após perder o pai, o operário Benjamim da Silva), no colo da mãe, a lavadeira Emília Correia Chaves, já era reduto da malandragem, da cultura negra e do samba carioca. Estava pertinho da Praça Onze; portanto, perto de Tia Ciata, de Donga, de João da Baiana, de Sinhô e de tantos bambas e bambambãs. Segundo o dramaturgo Hersch W. Basbaum, em texto para a História da Música Popular Brasileira (Abril Cultural), o Estácio nunca existiu. “O que existiu foi um bairro parecido com o Estácio e que, por acaso, chamava-se Estácio”.

Reconhecido pelos seus pares e por admiradores como um homem tranqüilo, sereno, bem-humorado e elegante, Ismael Silva não dispensava o terno branco sempre bem engomado, sobre camisa verde ou vermelha, e lenço combinando no bolso do paletó. Ainda na adolescência começou a participar das famosas rodas de samba do Estácio, onde fez amizade com nomes importantes no bairro e mais tarde na MPB, como Bide (Alcebíades Barcelos), Marçal, Nilton Bastos (mais tarde seu parceiro), Gradim (Lauro dos Santos), Oswaldo Vasques, Baiaco e Rubem Barcelos (irmão de Bide). Esses eram os príncipes do samba que reinavam no Estácio, assim como Noel Rosa (parceiro de Ismael em sete músicas, incluindo aí pelo menos três momentos marcantes: Para me livrar do mal, A razão dá-se a quem tem e Adeus) era o grande nome de Vila Isabel, a dupla Cartola e Carlos Cachaça começava a elevar o nome da Mangueira, Paulo da Portela comandava a folia em Madureira e Mano Décio da Viola pilotava a inspiração na Serrinha, de onde despontou a Império Serrano.

É de 1925 a primeira música composta por Ismael Silva, Faz carinho, gravada por Orlando Tomás Coelho, um pianista que era conhecido como Cebola. A melodia era simples e a letra despretensiosa, mas serviu para aproximar Ismael daquele que veio a ser mais tarde um grande “parceiro” (as aspas são por conta da má fama de comprousitor), Francisco Alves. Chico Viola não só regravou a música como garantiu a Ismael que gravaria toda a sua produção dali para a frente, desde que, claro, entrasse como parceiro. Como gravar não era fácil e Francisco Alves era um tremendo vendedor de discos, Ismael Silva aceitou na hora a proposta, exigindo apenas que entrasse nos créditos também o nome de seu parceiro de verdade, Nilton Bastos (bom letrista, de carreira curta, morreu em 1931, com 32 anos de idade).

A morte de Nilton Bastos deixou Ismael muito triste. No mesmo ano, apenas alguns meses depois, morreu outro compositor do bairro e também muito amigo do artista, Edgar Marcelino. Ismael deixou o Estácio e foi morar no Centro da cidade (há controvérsias de registros entre as ruas do Resende e Gomes Freire). Começou a freqüentar o Café Nice (afinal de contas, todo mundo frenqüentava) e conheceu Noel Rosa. Rompeu com Francisco Alves, achando finalmente que estava sendo prejudicado no acordo de parcerias, e começou a gravar com outros cantores, entre eles Silvio Caldas, Carmem e Aurora Miranda, além de Mário Reis (para quem Ismael teria vendido o samba Novo amor).

Com o afastamento de Francisco Alves e a morte de Noel Rosa, em 1937, Ismael Silva viveu um período de isolamento que durou pelo menos até 1950, quando lançou o 78 rotações com duas faixas que fizeram muito sucesso: Antonico e Meu único desejo. Em 1954 participou do espetáculo musical que reacendeu o samba no Rio de Janeiro, chamado O samba nasce do coração, ao lado de Ataulfo Alves, Pixinguinha e vários artistas populares de sua geração. No embalo dos shows e do reaparecimento, gravou logo dois LPs: O samba na voz do sambista e Ismael canta Ismael. Em 1960 recebeu o título de Cidadão Carioca, na Câmara de Vereadores, e participou do espetáculo O samba pede passagem, com Aracy de Almeida e o grupo MPB-4.

Às voltas com problemas de saúde, sobretudo com as varizes nas pernas que o obrigavam a andar de muletas, Ismael levava a vida modestamente, fazendo um showzinho ou outro e gravando um disco de vez em quando. Também tinha músicas suas gravadas por outros intérpretes, como Gal Costa, Clara Nunes, Alcione e MPB-4. Ao completar 70 anos, em 1975, participou de um belo show comemorativo, no Teatro João Caetano, que teve casa cheia e deixou o compositor muito emocionado, ao ver o teatro lotado cantando seus grandes sucessos. Em 1977 marcou presença em um programa de televisão, na TV Globo, dirigido pelo especialista Fernando Faro e dedicado aos sambistas do Estácio, com destaque para a sua obra.

Ismael Silva morreu no ano seguinte, no dia 14 de março de 1978.