Memória

Gilberto Alves: viver é também recordar

Por Gerdal José de Paula - 14/08/2012

A música parodiada, então na parada de sucessos, era a rumba "La Cucaracha", e, logo em seguida, todos - o cantor, sempre alegre, e os gozadores, seus amigos - caíam na gargalhada com a brincadeira, vez por outra repetida. Um desses amigos dele, também portador de carapinha, era o meu pai, então contrarregra da PRG3, o qual, décadas adiante, por largo período, reveria Gilberto quando este vinha de São Paulo, onde se fixara. Em café das imediações do Hotel Itajubá, na Rua Álvaro Alvim, no Centro, em que Gilberto se hospedava, encontravam-se para um bate-papo a que não faltavam situações vividas naqueles "bons tempos" com os quais os "velhos tempos" costumam ser coloridos pela saudade. Se a popularidade dos áureos idos do rádio havia declinado para o cantor, a sua voz, no entanto, conservava o viço, a extensão e a clareza de que as suas interpretações não careceriam, sempre que, mais raramente, era convidado para cantar em uma ou outra atração do rádio ou da tevê.

Carioca nascido na Saúde e criado em Lins de Vasconcelos, na Zona Norte, Gilberto Alves cedo se enfronhou no ambiente musical. Frequentou, bem moço, o Café Nice, onde conheceu astros como Grande Otelo e Sílvio Caldas, período em que, no subúrbio, levando a vida em serenata, já se salientava ao sabor exuberante do bel canto. Em torno de 1935 - e dos seus 20 anos de idade -, observado por Almirante numa dessas reuniões da cantoria sentimental, recebeu convite para aparecer na Rádio Clube do Brasil e, assim, defender seus primeiros cachês, indo em seguida, levado pelos compositores Nássara e Cristóvão de Alencar (amigos que fizera numa seresta em Vila Isabel) para a Rádio Guanabara, na qual foi atração do programa de Luiz Vassalo, até firmar-se, por muito tempo, a partir do início dos anos 50, no "cast" da Tupi. Seus sucessos musicais provieram, sobretudo, dos mananciais do samba (e até do "de raiz": gravando, por exemplo, "Rosa Maria", dos salgueirenses Éden Siva, o Caxinê, e Aníbal Silva, além de levar ao disco, pela primeira vez, em 1941, um de enredo, "Natureza Bela", que embalou o desfile vitorioso da Unidos da Tijuca em 1936) e da valsa (esta condizente com o passado seresteiro e de nítido reflexo, na sua discografia, por elepês que, já no título, reiterado - "E as Valsas Voltaram" - volumes I, II e III -, também saudavam o seu reencontro com ela). Em 4 de abril de 1992, pouco antes de completar 77 anos e já aposentado da lida artística, esse ex-sapateiro bateu as botas, em Jacareí, após anos morando em outra cidade paulista, Cesário Lange, onde teve programa de rádio. Vinte anos, portanto, sem o grande Gilberto Alves. E viver é, também, recordar.

Pós-escrito: nos dois primeiros "links", dois sonhos de valsa muito bem servidos pela voz de Gilberto Alves (capa de elepê, abaixo): 1) "Algum Dia Te Direi", de Felisberto Martins e Cristóvão de Alencar, em gravação de 1942; 2) "Uma Grande Dor Não Se Esquece", do sanfoneiro Antenógenes Silva e Ernane Campos, em gravação de 1940. Nos demais links, com o cantor: 3) "Natureza Bela", de Henrique Mesquita e Felisberto Martins; 4) "Meu Delírio", de Osório Lima e Mano Décio da Viola, com acompanhamento e coro do Império Serrano em gravação de 1963 - e interessante fotografia exibida no vídeo; 5) "Pombo-Correio", de Benedicto Lacerda e Darcy de Oliveira, em gravação de 1960; 6) o samba "Recordar", de Aldacir Louro, Aloísio Martins e Adolfo Macedo, sucesso no carnaval de 1955; 7) Gilberto Alves em cena de um filme de 1958, "É de Chuá", de Victor Lima, cantando "Você É Demais", de Sebastião Gomes e Braga Filho.

Algum Dia Te Direi

 

Uma Grande Dor Não Se Esquece

 

Natureza Bela

 

Meu Delírio

 

Pombo-Correio

 

Recordar

 

Você É Demais