Memória

Geraldo Pereira

Por Luís Pimentel - 25/05/2004

Para sempre lembrado

Este mês é aniversário de morte de compositor Geraldo Pereira. Foi em maio, em 1955, dia 8, que o grande compositor desentendeu-se no balcão do restaurante Capela com Madame Satã, levou um soco e foi internado no Hospital dos Servidores. De onde não saiu mais, apesar da causa da morte não ter sido uma hemorragia digestiva.

A obra valiosíssima de Geraldo tem sido revisitada e regravada em vários momentos e por nomes marcantes da Música Popular Brasileira. Sucessos como Falsa Baiana (gravado originalmente por Ciro Monteiro), Bolinha de papel e Sem compromisso, entre tantos outros, mereceram após sua morte regravações históricas nas vozes de Gal Costa, João Gilberto e Chico Buarque. Em alguns casos, o grande público sequer tomou conhecimento do nome do verdadeiro autor dos sambas.

Em 1980 o cantor e compositor João Nogueira gravou o LP intitulado Wilson, Geraldo e Noel, com músicas de Wilson Batista, Geraldo Pereira e Noel Rosa. Um ano depois a gravadora Eldorado lançou um LP com o título Evocação V, inteiramente dedicado a Geraldo Pereira, com suas composições interpretadas, entre outros, por Elton Medeiros, Roberto Silva, Monarco, Jakson do Pandeiro e Nelson Sargento. E no carnaval de 1982, sob o tema Geraldo Pereira, Eterna Glória do samba, o compositor da Estação Primeira de Mangueira foi enredo da Escola de Samba Unidos do Jacarezinho. As homenagens esparsas e regravações oportunas prosseguem acontecendo aqui e ali. Recentemente, o genial Paulinho da Viola incluiu o samba de Geraldo (Que samba bom) em seu show Bebadosamba, apresentado no Canecão. Em shows recentes, a estrela Zizi Possi tem cantado um samba que foi sucesso absoluto de público e de crítica: Escurinha, um grande sucesso de Geraldo Pereira: “Escurinha tu tem que ser minha/De qualquer maneira/Te dou meu buteco, te dou meu barraco/Que tenho no morro de Mangueira...”

Geraldo Theodoro Pereira nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1918. Morreu, portanto, com apenas 37 anos de idade, apesar de ter deixado mais de 300 sambas em catálogos de editoras. Chegou no Rio de Janeiro em 1930, com 12 anos, indo morar no morro de Mangueira, em companhia de um irmão que ali já vivia. Estudava e ajudava o irmão numa birosca no local conhecido como Buraco Quente, no morro. Aos 18 anos tirou sua carteira de motorista e foi trabalhar no volante do caminhão da Limpeza Urbana. Nas folgas, enfiava-se nos bares de Mangueira, juntamente com os sambistas locais.

Conheceu Cartola, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, Fernando Pimenta, Geraldo da Pedra, Padeirinho e tantos sambistas de valor da Estação Primeira. Logo, logo estava compondo e fazendo as rondas das emissoras de rádio, em busca de gravação e divulgação. O primeiro samba, feito em parceria com Fernando Pimenta, chamava-se Farei tudo e não conseguiu gravação, sendo vetado pela censura daqueles dias e permanecendo inédito até hoje: “Eu lhe quero de verdade/Pois tenho tanta vontade/Você já sabe de quê...”

A partir de 1938 Geraldo Pereira começou a se movimentar com mais desenvoltura no universo do samba. Aprendeu a tocar violão com Aloisio Dias e Cartola e foi tirando os sambinhas que mostrava, timidamente, aos amigos Buci Moreira, Padeirinho, Pimenta e ao compositor Ciro de Souza. Em 1939, com 21 anos de idade, Geraldo viu sua primeira música ser gravada – o samba Se você sair chorando, feito em parceria com Nelson Teixeira e gravado pela Odeon, na voz de Roberto Paiva: “Se você sair chorando/Dizendo que vai embora/Meu amor não ignoro o seu pensar...”

Após a primeira gravação, Geraldo Pereira não parou mais de produzir, fazendo sucesso na maioria dos casos. Entre suas músicas mais famosas podemos citar Acabou a sopa, Acertei no milhar (parceria com Wilson Batista, gravação histórica de Moreira da Silva), Cabritada mal-sucedida, Escurinha, Escurinho e Falsa baiana (duas gravações memoráveis de Ciro Monteiro), Bolinha de papel, Chegou a bonitona e tantas outras que marcaram época.

Os últimos anos de vida de Geraldo Pereira foram bastante tumultuados, estando o compositor sempre às voltas com problemas e bebedeiras, brigas e confusões. Em 1954, por ocasião das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, um grupo de sambistas e ritmistas cariocas se dirigiu para a capital paulista. Geraldo Pereira, Buci Moreira, Raul Marques, Arnô Canegal, Barão, Geraldo Barbosa e outros, levando algumas pastoras requisitadas dos programas de rádio do Rio de Janeiro. Fizeram meia dúzia de apresentações e acabaram quebrando a boate onde se apresentaram, depois de brigas com o empresário que não queria saldar os compromissos com os cachês. À frente da pancadaria, Geraldo Pereira.

Sua morte, em 1955, aconteceu logo depois de uma briga de bar com o lendário bandido e homossexual Madame Satã, que ostentava a fama de valente. Depois de uma discussão no Restaurante Capela, na Lapa, Satã acertou um soco no rosto de Geraldo Pereira. Bêbado, o compositor perdeu o equilíbrio e caiu na calçada, na porta do bar. Bateu com a cabeça no meio-fio e ficou desacordado, sendo carregado para o Hospital dos Servidores, onde morreu no dia seguinte de hemorragia intestinal. Apesar do trauma causado pela briga, Geraldo já andava muito doente, com crises constantes de vômitos, evacuando sangue e emagrecendo assustadoramente a cada dia.