Memória

Geraldo Filme: um notável registro do samba paulistano

Por Gerdal José de Paula - 06/02/2012

Sem placa de bronze, mas com permanência na história do samba, Geraldo Filme, morto em 1995, deixou na música que fez um registro notável do samba paulistano, bastante influenciado por um tipo de marcação do bumbo característico das áreas rurais no interior de São Paulo. Ele, a propósito, veio de lá, nascido em São João da Boa Vista, e, nos anos 40, menino ainda, morando na Barra Funda e entregando marmitas com a comida preparada pela mãe, teve oportunidade de ver, nessas caminhadas pela capital paulista, rodas de samba, no extinto Largo da Banana, formadas por negros ensacadores e carregadores dos armazéns de café abastecidos por trens da São Paulo Railway. Em sua obra, "Batuque de Pirapora" é expressivo desse primeiro contato dele com o samba rural, ou samba de bumbo, o que ainda se irradia por faixas de um elepê magistral que gravou, em 1980, aos 52 anos de idade, pelo Estúdio Eldorado, com produção do jornalista Aluízio Falcão. Nele, podem-se ouvir pepitas como "Vai Cuidar da Sua Vida", regravada por Itamar Assumpção no CD "Pretobrás", "Reencarnação", "Garoto de Pobre", "São Paulo, Menino Grande", "Silêncio no Bexiga", "Vai no Bexiga pra Ver" e "A Morte de Chico Preto", estas duas muito bem lembradas, também em disco, por Beth Carvalho e Fabiana Cozza, respectivamente.

O controvertido dramaturgo Plínio Marcos, amante desse samba mais genuíno feito em Sampa, produziu em 1974, pela Continental, um elepê hoje raro, de alto valor documental, "Nas Quebradas do Mundaréu", em que há registro da participação de Geraldo Filme com outros dois compositores de lá, Zeca da Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro. Este, juntamente com Osvaldinho da Cuíca, Germano Mathias e Tobias da Vai-Vai, entre outros, aparece em um média-metragem sobre o Geraldão da Barra Funda ou o Geraldão da Vai-Vai, premiado, em 1998, no festival É Tudo Verdade. Em 1982, Geraldo Filme, ao lado de Clementina de Jesus e da pastora portelense Tia Doca, marcaria presença em outro disco do Estúdio Eldorado de crescido valor cultural, "O Canto dos Escravos", que se reporta aos vissungos entoados no eito forçado do garimpo em entranhas mineiras. Por tudo isso e ainda mais, diferentemente do que diz do sambista de rua e amigo Pato N` Água (apitador - mestre de bateria - cuja morte misteriosa retratou no lamento dolente de "Silêncio no Bexiga"), Geraldo Filme foi um que partiu sem, de fato, dizer adeus. Ele é tradição e o seu samba continua.

Pós-escrito: nos "links" seguintes, a música de Geraldo Filme:

1) "Silêncio no Bexiga", com Graça Braga, cantora ligada à Comunidade Samba da Vela e integrante do grupo Berço do Samba de São Mateus, em Sampa;

2) "Vai Cuidar da Sua Vida", pela voz de um velho batuqueiro que é profundo conhecedor da história do samba de São Paulo, Osvaldinho da Cuíca;

3) "Batuque de Pirapora", com Elizah, gaúcha de Erechim que viveu parte da infância e adolescência em Moçambique;

4) "História da Capoeira", com o próprio autor;

5) Geraldo, de novo, cantando um belo samba-enredo feito para a Unidos do Peruche, em 1971, "Tradições e Festas de Pirapora", também fala, nas imagens apresentadas, da criação do cordão, depois escola de samba, Paulistano da Glória;

6) interessante trecho de depoimento do compositor no programa "Ensaio", produzido por Fernando Faro para a TV Cultura, da capital paulista.