Memória

A falta que o Silas nos faz

Por Luís Pimentel - 21/05/2023

Simples assim: mesmo reconhecendo-se a qualidade dos muitos compositores de sambas para o desfile das escolas (qualidade que se renova e amplia-se a cada ano), especialistas no assunto (e não são poucos) garantem: entre os melhores sambas-enredos de todos os tempos no Carnaval carioca estão, com lugar cativo, os que trazem esses versos:
     “Ô, ô, ô, ô, liberdade senhor.../Passava noite, vinha dia/O sangue do negro corria, dia a dia/De lamento em lamento, de agonia em agonia/Ele pedia o fim da tirania” (Heróis da liberdade, Império Serrano/1971); “Carnaval, doce ilusão/Dê-me um pouco de magia/De perfume e fantasia/E também de sedução/Quero sentir nas asas do infinito/Minha imaginação” (Cinco bailes da História do Rio, Império Serrano/1965); e “Vejam esta maravilha de cenário/É um episódio relicário/Que o artista num sonho genial/Escolheu para este carnaval” (Aquarela brasileira, Império Serrano/1964).
     Em todos esses sambas antológicos, uma marca comum e marcante: o compositor Silas de Oliveira, lembrado pelos amantes do gênero neste dia 20 maio, pelos 51 anos de sua morte. Sozinho ou com parceiros do gabarito de Mano Décio da Viola, Manoel Ferreira, Dona Ivone Lara ou Bacalhau, Silas conquistou posição indiscutível como o maior vencedor e mais brilhante autor de sambas para desfiles de escolas. Sempre com versos inspiradíssimos e uma pegada melódica responsável por conduzir, com magia e leveza, a verde e branco de Madureira por tantos brilhos e tantas glórias.
     O carioquíssimo Silas Oliveira de Assumpção nasceu em Madureira, bairro de onde nunca se afastou, no dia 4 de outubro de 1916. Filho de um pastor protestante, teve infância modesta porém decente, com instrução sólida e educação rígida. Foi criado na Rua Maroim (hoje Rua Compositor Silas de Oliveira), no sopé do morro da Serrinha, onde o Império começou, onde muita coisa boa começou, onde o futuro compositor da escola começou a praticar o samba e o jongo, companheiros e fontes de inspiração a vida inteira.
No samba, quase sempre se entra por causa das más companhias; e continua-se por causa das boas. Daí que a vida de Silas tomou o rumo da felicidade quando ele conheceu Antônio dos Santos, o Mestre Fuleiro (tio de Dona Ivone Lara) e Décio Antônio Carlos, o Mano Décio da Viola.Com este último ele compôs seu primeiro samba, Meu grande amor, em 1934. Passou a frequentar a escola de samba Prazer da Serrinha, onde, além de integrar a bateria, deu os primeiros passos como compositor.
O primeiro samba-enredo veio ao mundo e à quadra em 1946, Conferência de São Francisco, com Mano Décio. A escola ainda era a Prazer da Serrinha. Só em 1947 fundou a Império Serrano, juntamente com Molequinho, Fuleiro e outros bambas. Por 14 inesquecíveis carnavais o Império cantou sambas de Silas de Oliveira; e duvido que alguma vez tenha se arrependido. Quando não estava cantando samba na quadra nem no terreiro, Silas estava cantando nas rodas de samba, da Zona Norte à Sul, onde fosse convidado.
Foi numa dessas que o coração de poeta pregou uma peça: quando participava de roda no Clube ASA, em Botafogo, promovida pelo compositor Mauro Duarte, Silas teve um infarto fulminante. Era o dia 20 de maio de 1972. O corpo foi velado na Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e o enterro foi acompanhado pelos maiores nomes do carnaval. Os jornais dizem que cantavam, no cemitério, os versos de Herói da liberdade.
(Desenho de Amorim)