Memória

Fafá Lemos: saborosa receita de violino popular

Por Gerdal José de Paula - 13/10/2013

Nos discos de Rafael Lemos Jr., o saudoso Fafá Lemos, ele, em uma ou outra faixa, embalado por um violino travesso, mandava uma letra chistosa - como a do ótimo samba "Carne de Gato",  de Jair Gonçalves, dos versos acima -, cantando macio, com bossa e com classe. Antes, romântico, pela Musidisc, também cantara no aveludado original de "Duas Contas", do genial Garoto (com raríssima letra deste), com o qual e mais o gaúcho Romeu Seibel, o Chiquinho do Acordeom, formaria um conjunto, o Trio Surdina (foto abaixo), identificado, em 1952, com uma nova vestimenta harmônica para a canção popular, de alinhavo jazzístico, e surgido, no programa "Música em Surdina", no fim de noite da Rádio Nacional, por iniciativa do diretor artístico da emissora, Paulo Tapajós. Se alegre e buliçoso no sincopado, seu arco e flexa, em contraste, também emitia a nota plangente, melancólica, como na belíssima gravação da valsa "Tudo Cabe num Beijo", em seu derradeiro elepê, de 1989, pelo Estúdio Eldorado, produzido por Zuza Homem de Mello e feito em duo com outra saudade, esta em forma de piano, a também carioca Carolina Cardoso de Menezes, autora da melodia lembrada. Um disco primoroso, de feitura inspirada em jantar oferecido por Carolina em seu apartamento no Rio a jornalistas especializados (como já escreveu um dos presentes, também saudoso, Aramis Millarch), no qual o versátil Fafá talvez se aproximasse mais em si, retrospectivamente, daquela criança de formação erudita que, aos nove anos, tocaria Vivaldi acompanhado de orquestra no Teatro Municipal e, mais adiante, do rapaz que, aos dezenove, integraria, por curto período, a Orquestra Sinfônica Brasileira.
Diferentemente do violão e da flauta, com suas figuras de proa, o violino, antes de Fafá, era aqui um instrumento de tope erudito e sem lastro solista no sentimento popular aflorado em canção. Poucos no ramo, além dele - como Tobias Troisi, Eduardo Patané e Irany Pinto -, nos anos 50, por exemplo, quando também se apresentou com Carmen Miranda nos EUA, destacaram-se no disco por um trabalho próprio a tocar (n)o coração do cidadão comum, distanciado de salas de concerto e fruições camerísticas. Ainda naquela década, Fafá seria diretor artístico da RCA Victor e dono de uma boate na Rua Rodolfo Dantas, em Copacabana - "um buraco na parede", como ironizava, à maneira norte-americana, de tão pequena -, até, a partir de 1961, domiciliar-se por muitos anos nos EUA, o que já fazia o amigo guitarrista Laurindo de Almeida, com quem, por sinal, ainda no comecinho dos anos 50, lá estivera a trabalho. Em 18 de outubro de 2004, praticamente em surdina, silenciavam de vez aquele vibrato e aquele pizzicato tão particularmente utilizados, em tempo de samba, por esse Grapelli tropical. Recursos que são referências de estilo, por exemplo, dos excelentes Nicolas Krassik - que gravou em seu primeiro CD o choro "Fafá em Hollywood", de Fafá - e Ricardo Herz, violinistas também devotados a uma expressão popular e marcante do instrumento.