Memória

Ederaldo Gentil: pérolas finas da MPB

Por Gerdal José de Paula - 16/04/2014

Meio de semana e meados de dezembro de 2003. Devia ser umas 9 da noite e, diante da tela do PC, assim que soube, pela Agenda Samba&Choro, do CD "Pérolas Finas", produzido pelo compositor Edil Pacheco, com vários intérpretes, e relançado, em Salvador, em tiragem limitada, liguei, incontinênti, para a capital baiana.

Seguindo a indicação de Paulo Eduardo Neves, no "site", fui "pleonasticamente" atendido por Denise Gentil, toda cortesia comigo, e adquiri uma unidade (com sabor de "lançamento" para mim), que, dias depois, receberia, pelo correio, para o meu deleite de ouvinte. Infelizmente, o homenageado, Ederaldo Gentil (fotos abaixo), que, rapaz, por breve período, fora meia-esquerda do Esporte Clube Guarany (fazendo dupla com André Catimba, nome de destaque, mais adiante, pelo Esporte Clube Vitória), já havia, nesses começos do novo milênio, retirado o seu time de campo na MPB, deprimido e desiludido com a condição marginal, de "pequenino", quanto a reconhecimento de mídia, em que se percebia.

Um outro talento do samba, Paulinho Soares (falecido há dez anos), já cantava que "o destino nunca foi bom alfaiate", e aquele soteropolitano do Centro, do Largo Dois de Julho, nascido em 7 de setembro de 1943, encarnava mais uma incoerência da sorte, entre o alinhavo e o remate, após conhecer o sucesso, no Rio de Janeiro, nos anos 70, levado ao disco por vozes de nomeada, como as de Jair Rodrigues ("Alô, Madrugada!"), Alcione ("Feira do Rolo") e Eliana Pittman ("Aruelá") - esta, como Jair, conhecendo-o ainda em Salvador.
 

Relojoeiro como o pai, de quem aprendeu o ofício, Ederaldo Gentil é tido por muitos como o maior sambista baiano da sua geração, letrista de versos antológicos realçados pelo buril da simplicidade e fixados na boca do povo, como os de "O Ouro e a Madeira", com estrofe de feição metonímica - o refrão, acima, em destaque. Consagrado pelo Nosso Samba e gravado duas vezes por Ederaldo (a primeira em compacto e a segunda, logo após o estouro com o conjunto, no primeiro elepê que gravou, "Canto Livre de um Povo", em 1975), foi um samba que, por boas consequências havidas (como outro elepê, no ano seguinte, pela mesma Chantecler), o fez sentir-se em um "elderado" na Velhacap. Um momento de relevo e prazer antes só conhecido por sua lira, em menor proporção, em Salvador: na década anterior, obtivera vitórias consecutivas em concursos de carnaval da Prefeitura. Destacara-se, ainda, como compositor da sua Filhos do Tororó, situada em bairro também central aonde, garoto, se mudara com a família.
 

Tal foi o seu prestígio nessa escola de samba que, em 1969, tornou-se pivô de fato insólito: brigado com a agremiação e decidido a se ausentar, naquele ano, da folia, foi logo procurado pelas nove adversárias do desfile local - nos bons tempos pré-axé -, fazendo, para cada uma delas, um samba-enredo e, com exceção daquela do coração (de samba composto por Walmir Lima), sendo o compositor soberano na disputa. Só deu ele, praticamente. No entanto, "ouro no fundo do mar e madeira por cima", já havia passado para Ederaldo, em 30 de março de 2012, quando faleceu, o tempo de fruição constante das suas pérolas finas.

Um tempo que passa para todos os artistas, pois nenhum deles consegue atrair, para si e a sua obra, nível linear de atenção ao longo da carreira - e mesmo, também os medalhões, depois da vida. Tudo se transforma - é de lei onde o homem está presente -, mas, para Ederaldo, enquanto viveu, bem que a sua bela música, de característico tom menor na sonoridade, poderia ter sido mais assídua na nossa escuta pelos canais (in)competentes de divulgação.