Memória

Ederaldo Gentil – pérolas finas

Por Gerdal J. Paula - 18/01/2023


"O ouro afunda no mar/madeira fica por cima/ostra nasce do lodo/gerando pérolas finas..."
Meio de semana e meados de dezembro de 2003. Deviam ser umas 9 da noite e, diante da tela do PC, assim que soube, pela Agenda Samba&Choro, do CD "Pérolas Finas", produzido pelo compositor Edil Pacheco, com vários intérpretes, e relançado, em tiragem limitada, no mercado de Salvador, liguei, incontinênti, para a capital baiana. Seguindo a indicação de Paulo Eduardo Neves, no "site", fui "pleonasticamente" atendido por Denise Gentil, toda cortesia comigo, e adquiri uma unidade (com sabor de "lançamento" para mim), que, dias depois, receberia, pelo correio, para o meu deleite de ouvinte. Infelizmente, o homenageado, Ederaldo Gentil (foto), que, rapaz, por breve período, fora meia-esquerda do Esporte Clube Guarany (fazendo dupla com André Pantera, nome de destaque, mais adiante, pelo Esporte Clube Vitória), já havia, nesses começos do novo milênio, retirado o seu time de campo na MPB, deprimido e desiludido com a condição marginal, de "pequenino", quanto a reconhecimento de mídia, em que se percebia. Um outro talento do samba, Paulinho Soares, também falecido, já cantava que "o destino nunca foi bom alfaiate", e aquele soteropolitano do Centro, do Largo Dois de Julho, nascido em 7 de setembro de 1943, encarnava mais uma incoerência da sorte, entre o alinhavo e o remate, após conhecer o sucesso, no Rio de Janeiro, nos anos 70, levado ao disco por vozes de nomeada, como as de Jair Rodrigues ("Alô, Madrugada!"), Alcione ("Feira do Rolo") e Eliana Pittman ("Aruelá").
Relojoeiro como o pai, de quem aprendeu o ofício, Ederaldo Gentil é tido por muitos o maior sambista baiano da sua geração, letrista de versos antológicos, forjados com sapiência no buril da simplicidade e fixados na boca do povo, como os de "O Ouro e a Madeira" - em destaque, acima. Imortalizado pelo Nosso Samba e gravado duas vezes por Ederaldo (a primeira em compacto e a segunda, logo após o estouro com o conjunto, no primeiro elepê que gravou, "Canto Livre de um Povo", em 1975), foi um samba que, por boas consequências havidas (como outro elepê, no ano seguinte, pela mesma Chantecler), lhe fez experimentar um "elderado" na Velhacap. Um momento de relevo e merecido prazer antes só conhecido por sua lira, em menor proporção, em Salvador: na década anterior, obtivera vitórias consecutivas em concursos de carnaval da Prefeitura. Destacara-se, ainda, como compositor da sua Filhos do Tororó, situada em bairro também central aonde, garoto, se mudara com a família.
Tal foi o seu prestígio nessa escola de samba que, em 1969, tornou-se pivô de fato insólito: brigado com a agremiação e decidido a se ausentar, naquele ano, da folia, foi logo procurado pelas nove adversárias do desfile local - nos bons tempos pré-axé -, fazendo, para cada uma delas, um samba-enredo e, com exceção daquela do coração (de samba composto por Walmir Lima), sendo o compositor soberano na disputa. Só deu ele, praticamente. No entanto - "ouro no fundo do mar e madeira por cima" -, já havia passado para Ederaldo, em 30 de março de 2012, quando faleceu, o tempo de fruição constante das suas pérolas finas. Um tempo que passa para todos os artistas, pois nenhum deles consegue atrair, para si e a sua obra, nível linear de atenção ao longo da carreira - e mesmo depois da vida. Tudo se transforma - é de lei onde o homem está presente -, mas, para Ederaldo, enquanto viveu, bem que a sua bela música, de característico tom menor na sonoridade, poderia ter sido mais assídua na nossa escuta pelos canais (in)competentes de divulgação.

https://www.youtube.com/watch?v=y0oLIcQBVF8
 (“Berequetê”)
https://www.youtube.com/watch?v=QAf91KblOZg
(“A Saudade Me Mata”)
https://www.youtube.com/watch?v=Vudf9zIcRtc
("Luandê")
https://www.youtube.com/watch?v=dl9vPl7uTaI
("A História dos Carnavais")
https://www.youtube.com/watch?v=HWgS0gTFcj8("Dia de Festa")
https://www.youtube.com/watch?v=fMmfWw34EnI
(“O Ouro e a Madeira”)


Pós-escrito: a) postagem minha feita há cinco anos no Facebook, dedicada à família de Ederaldo Gentil, em particular a Denise Gentil, e a Edil Pacheco; b) nos "links" acima, sambas de Ederaldo Gentil: "Berequetê", com ele; “A Saudade Me Mata", com Elza Soares; "Luandê", com Gilberto Gil; "A História dos Carnavais"; "Dia de Festa", com Sapoty da Mangueira; "O Ouro e a Madeira", com o Nosso Samba; c) foto: acervo do compositor.