Memória

Clara Nunes, 40 anos de saudade

Por Alberto Buaiz Leite - 29/04/2023

     “Hoje eu vi uma estrela no céu/ Sorrindo pro morro do meu Tuiuti/ É Clara guerreira, num gesto de amor/Iluminando a Sapucaí”. Estes versos formam o refrão do samba de enredo” A Tal Mineira”, de autoria de Jurandir, Anibal, Adauto Alves, Reza e Pelé. Com este samba o GRES Acadêmicos do Tuiuti homenageou, em 2012, cantora Clara Nunes.
A artista veio ao mundo como Clara Francisca Gonçalves. Nasceu em Cedro (distrito de Paraopeba), MG, em 12 de agosto de 1942 e lá viveu até aos 16 anos, quando se mudou para Belo Horizonte. Já órfã de pai e mãe, morava com uma irmã, mais velha, e trabalhava como tecelã. Nos finais de semana, cantava no coral da igreja do bairro onde residia. Na cidade mineira iniciou a carreira artística. Em 1960, participou da fase mineira do concurso “A Voz de Ouro ABC” e foi a vencedora, cantando “Serenata do Adeus” de Vinícius de Moraes. Na finalíssima, em São Paulo, ficou em terceiro lugar interpretando “Só Deus” de Jair Amorim e Evaldo Gouveia. Com estes resultados, foi contratada pela Rádio Inconfidência de Belo Horizonte. Em 1963, ganhou um programa na TV Itacolomi, de Minas Gerais, onde permaneceu por um ano e meio. Passou a cantar na noite e era sempre acompanhada pelo baixista Bituca que era nada menos que o futuro cantor e compositor Milton Nascimento.
A sua carreira tomou um impulso, a partir de 1965, quando veio para o Rio de janeiro. Seu desejo era entrar no mercado fonográfico e conseguiu atingir seu objetivo, graças ao radialista e amigo José Messias, que conheceu em Belo Horizonte. Através dele, foi contratada pela gravadora Odeon e lá gravou, em 1966, um compacto e seu primeiro LP “Voz Adorável de Clara Nunes”, com muito bolero e samba-canção, que foram os gêneros musicais que predominaram nos primeiros anos de sua carreira. O samba começou a ganhar destaque em seu repertório, graças a influência de seu amigo Ataulfo Alves que sempre achou que ela deveria cantar samba. Assim, em 1968, foi lançado seu segundo LP “Você Passa e Eu Acho Graça”, título de um samba de Ataulfo Alves e Carlos Imperial. Esta música foi seu primeiro grande sucesso. A opção definitiva pelo samba ocorreu quando a Odeon contratou o radialista Adelzon Alves para produzir seu quarto LP, em 1970. Além de produtor, Adelzon orientou Clara em vários aspectos de sua carreira e tornou-a uma artista mais ligada ao povo e às tradições musicais do Brasil. Não gravou só samba, mas, também, frevos e forrós. Cantar era tudo para ela. Com sua música, aliada ao seu carisma e sua simpatia, tornou-se a representante de seu povo. “Meu canto é o que eu tenho para dar, meu canto, minha cantiga, meu sorriso, meu riso” declarou ela numa entrevista. A sua ligação com os cultos africanos, como o Candomblé ou a Umbanda imprimiu um caráter místico à sua carreira, fazendo-a se aproximar, ainda mais, das massas populares.
A carreira prosseguiu com enorme sucesso, ao longo da década de 1070 e início dos anos 80. Foram 16 LPs e dezenas de compactos, quase todos com ótimas vendagens. O auge de sua vendagem ocorreu entre 1974 e 1975 quando ultrapassou a marca de 400 mil cópias vendidas com o LP “Claridade”. Ao longo da carreira, vendeu mais de 4 milhões de discos e nenhuma cantora brasileira atingiu sua marca. Além do trabalho fonográfico, nossa homenageada atuou bastante nos palcos brasileiros e estrangeiros. Cantou em Angola, Japão, Suécia, Portugal, França, Alemanha, dentre outros países. No Brasil, era presença constante em programas de TV, especialmente o do Chacrinha, que era seu grande amigo e a incentivou muito. Apresentou-se em teatros, cabendo destacar dois grandes espetáculos dos quais participou: “O Poeta, a Moça e o Violão” em 1973, no teatro Carlos Gomes, em Salvador, ao lado de Vinícius de Moraes e Toquinho e “Brasileiro, Profissão Esperança”, entre 1974 e 1975, no Canecão, no Rio de Janeiro, ao lado de Paulo Gracindo.
Sua carreira teve fim no ano de 1983. No dia 02 de abril, faleceu vítima de um choque anafilático, decorrente de uma simples operação de varizes. Seu corpo foi velado na quadra da Portela, sua escola de coração, onde desfilava todos os anos, chegando, algumas vezes, a ser puxadora do samba da escola . Mas, na maioria dos desfiles, veio no chão, ao lado do seu povo.
Clara Nunes foi uma das maiores intérpretes do nosso cancioneiro. Transitou por vários gêneros musicais e incorporou a africanidade ao seu canto. Foi e é uma das grandes referências na música de nosso país.