Memória

Centenário de Wilson Batista

Por Luís Pimentel - 01/07/2013

O Rio de Janeiro já hospedou, em tempos idos, alguns malandros de renome, a maioria com livre trânsito no mundo da música. Basta citar Valdemar da Babilônia, João Cobra, Mané da Carretilha, Nina do Estácio, Brancura, Gaguinho Bicheiro e Madame Satã. Este último, tão próximo viveu de artistas, compositores e cantores, que veio a ser mais tarde acusado de provocar a morte do sambista Geraldo Pereira (1918-1955), após uma briga de bar na Lapa. Madame Satã não negava o imbróglio, pelo contrário. Gabava-se da façanha, por pura malandragem.         

Mas entre os compositores, praticamente não havia malandro. Neguinho ralava (como rala até hoje), e muito. A honrosa exceção deve ser feita a Wilson Batista. Apesar de carioca por adoção, Wilson nasceu em Campos, em 1913 (dia 3 de julho). Adolescente, desembarcou no Rio de Janeiro para morar com um tio, no subúrbio. Pressionado pelos parentes, que queriam a todo custo empregá-lo numa oficina mecânica, saiu de casa e foi morar sozinho nas proximidades da Lapa, onde logo começou a freqüentar a vida noturna, fazendo amizade com figuras conhecidas e respeitadas na “área”, como Madame Satã, Jorge Goulart, Boi (um misto de porteiro e leão-de-chácara dos cabarés), Ataulfo Alves e Miguelzinho Camisa Preta, entre outros mais ou menos votados.


Autor de sambas geniais como Nega Luzia (“Lá vem a Nega Luzia/No meio da cavalaria/Vai correr lista lá na vizinhança/Pra pagar mais uma fiança/Foi calibrina demais/Lá no xadrez ninguém vai dormir em paz”), Mundo de zinco, Chico Brito (“Lá vem o Chico Brito/Descendo o morro na mão do Peçanha”), Samba rubro-negro (“Flamengo joga amanhã/Eu vou pra lá/Vai haver mais um baile/No Maracanã/O mais querido tem Rubens, Dequinha e Pavão/Eu já rezei pra São Jorge/Pro Mengo ser campeão”) e tantos, tantos outros, Wilson Batista encarnou como ninguém o espírito malandro carioca, passando a vida a complementar os minguados trocados dos direitos autorais com os chamados “pequenos expedientes”: venda de samba, cafetinagem, empréstimos jamais honrados, trambiques e aprontos de toda espécie. Vivia literalmente na malandragem, de corpo e alma. Seu espírito, sua linguagem e brincadeiras procuravam reproduzir as gírias e as emoções dos grandes malandros de sua época, a quem ele tanto admirava.


Wilson viveu várias polêmicas em sua vida atribulada: com “comprositores” que lhe compraram sambas e não quiseram pagar, com mulheres e com traficantes de quem, no fim da vida, comprava drogas na ilusão de aliviar a angústia provocada pelo esquecimento profissional. A mais importante foi a polêmica com Noel Rosa, já registrada em disco. Wilson compôs um samba chamado Meu chapéu de lado (“Meu chapéu de lado/Tamanco arrastando/Lenço no pescoço/navalha no bolso”), Noel rebateu com Rapaz folgado (“Deixa de arrastar o teu tamanco/ Pois tamanco nunca foi sandália/.../E guarda essa navalha/Que só te atrapalha”) e o zunzunzum começou, com a produção de belas canções  como Feitiço da Vila, Conversa fiada, Palpite infeliz  e Terra de cego.
Como a grande maioria dos malandros, e boa parte dos artistas que fizeram o prestígio da MPB, Wilson Batista morreu na miséria. Consumido pela droga, o álcool e a depressão, lesado pelas sociedades arrecadadoras de direitos autorais e abandonado pela maioria dos amigos.

A chama se apagou no dia 7 de julho de 1968, numa enfermaria coletiva do Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro. Mas está por aí, pois qualquer malandrinho de porta de tinturaria sabe: quem samba fica.