Memória

Centenário de Carmélia Alves

Por Gerdal J. Paula - 26/02/2023

Certa vez, num sábado, garimpando joias do vinil na feira de antiguidades da Praça XV, tive a sorte de encontrar um dez-polegadas raríssimo, comprado por mim de imediato: "Hervé Cordovil Interpretado por Carmélia Alves", em cuja capa esse compositor, mineiro de Viçosa e parceiro de Noel Rosa em "Triste Cuíca", está ao piano, ladeado pela sorridente cantora carioca nascida na Rua dos Açudes, em Bangu, mas criada em Areal, no interior fluminense. "Cabeça Inchada", "Esta Noite Serenou", "Sabiá na Gaiola" e "Pé de Manacá", naturalmente, fazem parte da expressiva seleção de músicas de Hervé, embalada por ritmos nordestinos, que Carmélia entoa com a vivacidade e a brejeirice que dela fizeram, com o estalo e o aval de Luiz Gonzaga, na transição dos anos 40 para os anos 50, a rainha do baião. Antes disso, no entanto, fã de Carmen Miranda, Carmélia levaria alguns anos influenciada por ela, decalcando-lhe o estilo e cantando-lhe o repertório, como o samba "Voltei pro Morro", de Vicente Paiva e Luiz Peixoto, e até mesmo, com a viagem da Pequena Notável para os EUA, ocupando-lhe o lugar num programa da Rádio Mayrink Veiga, apresentado por César Ladeira. Nos anos 50, com o cantor e contrabaixista Jimmy Lester, seu marido, excursionou pela Europa, África, Ásia e pelos EUA, sempre divulgando a canção brasileira de extração genuína, sem rebuscado anglófilo.
Uma década, aquela dos 50, em que atuou como "crooner" da boate Meia-Noite, do Copacabana Palace, firmando no luxuoso hotel o prestígio advindo do final da década anterior, quando o que lá cantava era transmitido, diretamente, pela Rádio Nacional para todo o país em atração, "Ritmos da Panair", apresentada por Murilo Néri. Idos em que muito ajudou um amigo talentoso, recém-chegado do Recife natal, Luiz Bandeira, que também se tornaria "crooner" no Copacabana Palace, dele gravando com sucesso, em 1952, o baião "Maria Joana". Idos ainda de aparição na tela do cinema em longas, por exemplo, de Moacyr Fenelon, "Tudo Azul", também de 1952 e cópia restaurada; "Agulha no Palheiro", outro de 1952, de Alex Viany, e "Carnaval em Lá Maior", de Adhemar Gonzaga, em 1955,
Em companhia de Carminha Mascarenhas e Ellen de Lima, Carmélia, mais adiante, integraria o conjunto As Cantoras do Rádio - iniciado como um sexteto, depois quarteto, pelos quais passariam Ademilde Fonseca, Nora Ney, Zezé Gonzaga, Rosita González e Violeta Cavalcante. Ela, ainda, muito bem-disposta, com a simpatia e a simplicidade de sempre, sem perder, no entanto, a majestade que o baião lhe conferia.

 https://www.youtube.com/watch?v=QvJDyxyIGZE ("Forró em Caruaru")

        https://www.youtube.com/watch?v=3KhG6aC_QKQ ("Moinho d`Água")

        https://www.youtube.com/watch?v=5DaAPRuJsm4 ("Baião da Garoa")

        https://www.youtube.com/watch?v=mz6cblS37qo ("Deixa a Nwga Gingar")

        https://www.youtube.com/watch?v=qt_7J_xexdU ("Correndo o Norte")

https://www.youtube.com/watch?v=RmqC25d36eI ("Cabeça Inchada")       

Pós-escrito: a) Carmélia Alves (1923-2012) teria completado o seu centenário de vida em 14 de fevereiro último. Saudade grande; b) nos "links" acima, com ela: "Forró em Caruaru", de Zé Dantas; "Moinho d´Água", de Edson França e Francisco Elion; "Baião da Garoa", de Luiz Gonzaga e Hervé Cordovil; "Deixa a Nega Gingar", de Luiz Cláudio; "Correndo o Norte", de Luiz Vieira; "Cabeça Inchada", de Hervé Cordovil; c) foto (arquivo Marcelo Bonavides): revista "Fon-Fon" - edição de 1041.