Memória

Candeia 85: samba e resistência

Por Luís Pimentel - 09/04/2020

“Hoje é manhã de carnaval/Há esplendor/As escolas vão desfilar garbosamente/E aquela gente de cor/Com a imponência de um rei/Vai pisar na passarela”. (Dia de graça)
     Os dias em que vivemos (ou tentamos sobreviver) não são dias de graça, nem um pouco. Mas temos que encontrar força nalguma coisa que funcione como estímulo. Exemplo: os livros (a gosto de cada um) e a música brasileira. Tá feio, tá triste, tá desanimador, tá ruço. Por isso, hoje busquei esquecer esses dias ouvindo sambas antigos do Candeia. E deu certo.
     Antonio Candeia Filho é samba e resistência. Um dos maiores nomes da MPB, faria 85 anos neste 2020. Nasceu em 1935 (17 de agosto) e morreu em 1978 (dia 16 de novembro). Viveu apenas 43 anos, mas criou intensamente e deixou uma obra e uma história de vida que só enchem de orgulho seus pares e seus seguidores. Mito da resistência cultural brasileira, começou a fazer músicas ainda na adolescência, por inspiração caseira. Seu pai tocava flauta e carregava o garoto para as rodas de samba e de choro que ferviam em Oswaldo Cruz e Madureira. Virou compositor da Portela e, em 1953, antes de completar 18 anos, viu sua gloriosa agremiação de Madureira desfilar com um samba-enredo de sua autoria, “As seis cartas magnas”.
O Candeia participativo e contestador desponta na segunda metade dos anos 70, quando, graças à abertura política, os movimentos populares retomaram sua organização. É dessa época a criação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos e do Instituto Popular de Cultura Negra, órgãos importantes para a retomada dos movimentos negros no Rio de Janeiro. Muito ligado aos dirigentes e militantes do Centro e do Instituto, Candeia funda o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, com duas premissas básicas: a “valorização das culturas negras em tudo o que se refere às suas aspirações” e também a “valorização da manifestação da arte popular, há muito banida das escolas de samba”.
Voltou a brilhar em 1995, quando o parceiro Martinho da Vila gravou o disco Tá delícia, tá gostoso, no qual incluiu um pot-pourri chamado “Em memória de Candeia”, que tinha as faixas Dia de graça, Filosofia do samba, De qualquer maneira, Peixeiro grã-fino e Não tem vencedor. Enquanto houver samba haverá Candeia. A máxima está traduzida na canção-homenagem composta por Luiz Carlos da Vila, lembrando e perpetuando a memória do mestre e amigo: “A chama não se apagou/Nem se apagará/És luz de eterno fulgor, Candeia”. Em 1997 foram relançados em CD três discos de Candeia: Samba da antiga, de 1970, Filosofia do samba, lançado originalmente em 1971 e Samba de roda, de 1974. Foi um homem valente, que enfrentou algumas adversidades na vida com determinação e força. Viveu os seus últimos anos (mais de 10) preso a uma cadeira de rodas, em decorrência de um tiro na coluna vertebral – depois de uma discussão no trânsito, no final da década de sessenta. Policial Civil, se aposentou por invalidez após o acidente e pôde, então, se dedicar mais à música, aos movimentos musicais e às causas sociais de seu povo.