Memória

Aniceto do Império: samba e resistência

Por Gerdal José de Paula - 07/12/2012

Foi um homem da resistência que lutou contra a resistência. Explica-se: resistência, segundo revela em curta-metragem dirigido pelo ator Zózimo Bulbul, em 1981, era como, de início, se chamava a atividade – e ainda o sindicato – em que atuava na estiva do cais do porto, no Rio de Janeiro, sem contar com carrinho para o transporte de sacos pesados da cabotagem, os quais ele carregava sobre a cabeça. No entanto, descendente de povo padecedor de muito desengano, a exemplo dos colegas da árdua e mal remunerada faina, cruzou os braços, certa vez, com eles, paralisando o serviço, até ser acolhido, pelo canal oficial competente na área respectiva, o protesto por melhora substancial de salário e condições de trabalho.

Tornado líder do sindicato dos arrumadores – como aquele passaria a ser chamado –, o negro Aniceto de Menezes e Silva Júnior (foto abaixo), de primário não concluído, mas inteligente, informado, brioso e sagaz, era animado, sobretudo, pela outra resistência, multissecular e cultural – contra injustiça histórica –, que nele transpareceu, em particular, na face do samba em que este, como já observou o compositor e escritor Nei Lopes, é mais samba: o partido-alto – e, pelo Aniceto, a seu modo, também ludicamente desenvolvido à base de pergunta e resposta.

Nascido no Estácio e grande conhecedor de jongo e caxambu, Aniceto, entre outros, fundou, em 1947, o Império Serrano, escola que absorveria, na região de surgimento, entre Madureira e Vaz Lobo, uma que ele frequentava, a Prazer da Serrinha. Dividido, no dia a dia, entre o samba e o porto, destacou-se em ambos os ambientes, de certo modo – por sua palavra fluente e, não raro, "enfeitada" –, como ímpar entre seus pares, sendo, por exemplo, por muitos anos, o orador oficial da gloriosa verde e branco. Tal facilidade de expressão e informal proximidade com o uso culto do nosso idioma também o fizeram sobressair no domínio do verso de improviso, com o qual já se exercitava no porto, após os turnos de labuta, causando respeito e admiração entre os diversos colegas que avistava, igualmente tomados pela centelha criativa do samba.

Como o amigo Xangô da Mangueira, outro saudoso mestre versador com origem no Estácio, teve chance de levar ao vinil registros dessa sapiência ritmada – a "do bamba que não bambeia", ainda segundo Nei Lopes –, fazendo-o, da primeira vez, em 1977, com produção de Elton Medeiros para o MIS (Museu da Imagem e do Som), no elepê "O Partido-Alto de Aniceto e Campolino" (também ilustre imperiano, trocador de ônibus), e, sete anos depois, pela CID, em "Partido-Alto Nota Dez", outro elepê, com participação, em várias faixas, de nomes importantes do gênero e de ampla projeção na midia. Embora conste 22 no registro civil, teria comemorado, antes disso, em 11 de março último (o dia real), 100 anos de nascimento, e, no dia 19 de julho, 20 anos de passamento. "De carapinha branca, bigodão de algodão doce no rosto de chocolate e embalado pela magia das rimas", esse cara foi ele: Aniceto do Império, uma grande figura e um partideiro a ser sempre louvado.