Memória

30 anos sem Gonzagão

Por Luís Pimentel - 26/11/2019

No dia 13 de dezembro de 2019 comemora-se em Exu, em todo o estado de Pernambuco e pelo Brasil afora, o aniversário do mais importante e festejado compositor nordestino, Luiz Gonzaga, data em que estaria completando 107 anos (nasceu em 1912). Também neste 2020, lembra-se dos 30 anos de sua morte, em 2 de agosto de 1989.
     Não canso de repetir que nenhum artista brasileiro foi tão importante para a cultura das regiões Nordeste e Norte do Brasil, para a divulgação de como vivia, trabalhava, amava e sofria o homem do mato quanto Luiz Gonzaga do Nascimento, filho do mestre sanfoneiro Januário e da roceira Ana Batista de Jesus, que um dia saiu da pequena cidade de Exu, região do Araripe, no sertão pernambucano, para conquistar o Brasil e fazer sua sanfona conhecida nos quatro cantos do país e até no exterior (infelizmente, só no fim da vida conheceu o sucesso lá fora, quando a convite da cantora Nazaré Pereira fez um belíssimo show em Paris, na casa de espetáculos Bobino).
A música de Luiz Gonzaga, que foi coroado “Rei do Baião”, tem para o nordestino a importância da fé no Padre Cícero Romão. E já subiu ao posto mais alto do pódio onde também merecem medalhas o xote e o xaxado de Jackson do Pandeiro, a arte de barro do mestre Vitalino, a poesia de Patativa do Assaré ou de Azulão e a sabedoria moleque de Ariano Suassuna.
Gonzaga passou a infância ajudando o pai e o irmão mais velho a plantar milho e feijão na fazenda Caiçara. Januário tinha fama de ser o maior sanfoneiro da região, ganhava uns trocados animando festas juninas e outros arrasta-pés, e o filho logo se interessou pelo ofício e pelo instrumento. Ganhou uma sanfoninha, depois comprou outra um pouco melhor quando serviu ao Exército, e um dia empunhou um acordeon profissional para encantar os conterrâneos e correr o chapéu na antiga zona do mangue do Rio de Janeiro – cercanias dos bairros do Estácio e Praça Onze –, onde desembarcou com vinte e poucos anos de idade para fazer o seu nome.
“O candeeiro se apagou/O sanfoneiro cochilou/A sanfona não parou/E o forró continuou”. Continuou por mais de meio século, período em que o Gonzaga gravou mais de cem discos (entre 78 rotações, LPs e CDs) e compôs grande número de sucessos, com mais de uma dezena de parceiros (os mais frequentes foram Humberto Teixeira, Zé Dantas, João Silva, Hervê Cordovil, Guio de Moraes e Onildo de Almeida).
Gonzagão (apelido que ganhou quando o filho Luiz Gonzaga Júnior começou a fazer sucesso na MPB) viveu fases muito distintas durante sua trajetória artística. Conheceu o sucesso de perto e andou colado com ele por muitos anos, ganhou dinheiro suficiente para instalar no Rio de Janeiro seus pais e irmãos, distribuindo casas e sítios para todo mundo, mas também enfrentou fases difíceis na vida, de sucesso quase nenhum, vendas inexpressivas de discos e a proximidade com o ostracismo. Artista mambembe por natureza e formação, corria o Brasil inteiro, ano a ano, fazendo shows das grandes capitais aos municípios distantes e minúsculos, sempre incluindo o Nordeste nos roteiros.
“Seu Luiz”, como era carinhosamente tratado pelos amigos, repetia que não poderia prescindir de parceiros, porque não sabia trabalhar sem um poeta do lado. Achava-se um homem rude e sem traquejo com as palavras, o que não era verdade. Luiz Gonzaga tinha, sim, um olhar extremamente poético sobre o mundo e o revelou diversas vezes em entrevistas, participações em programas de rádio e TV e no longo depoimento que deu à pesquisadora francesa Dominique Dreyfus, autora do livro Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. Explicando a ela, por exemplo, a razão dos longos períodos de chuva que costumavam alegrar Exu, o Rei do Baião disse em poucas palavras o que um meteorologista gastaria muito verbo para dizer:
“O pé de serra tem sempre essas matas, essas montanhas que atraem as chuvas. Tem um vento que desvia o rumo da chuva. Ela se forma, vem e quando chega no alto da serra, se divide, parte pra tudo que é canto”.
A música brasileira deve muito a Luiz Gonzaga, à sua antena sempre direcionada no rumo da expressão mais pura do povo, à sua voz encorpada e doce, capaz de derreter os mais duros corações, e à sua sanfona de prata, “do povo”, como ele mandou gravar certa vez no instrumento. Para o cantor e compositor baiano Gilberto Gil, que sempre se disse um discípulo e devoto apaixonado do iluminado forrozeiro, o nome de Luiz Gonzaga “se inscreve na galeria dos grandes inventores da música popular brasileira, como aquele que, graças a uma imaginativa e inteligente utilização de células rítmicas extraídas do pipocar dos fogos, de moléculas melódicas tiradas da cantoria lúdica ou religiosa do povo caatingueiro, e, sobretudo da alquímica associação com o talento poético e musical de alguns nativos nordestinos emigrantes como ele, veio a inventar um gênero musical” (em prefácio para o livro de Dominique).
Sempre Gonzaga. Este, com certeza, é um nome que a música brasileira jamais esquecerá. Nem pode.