Homenagens

Vanja Orico: o ocaso, o descaso e o adeus de uma estrela

Por Marcio Paschoal (*) - 14/02/2015

Uma entrevista para a biografia do cantor e compositor maranhense João do Vale foi a razão para que eu fosse apresentado por Jesus Chediak a uma mulher arrebatadora, simpática e falante e que, de cara, conquistava as pessoas. Falo de Evangelina Orico, conhecida como Vanja Orico.

O que dizer de uma artista que, adolescente, é descoberta por Fellini, depois vira musa do cinema novo, grava sucessos no país e no exterior, tem ativa participação político-cultural, e acaba completamente esquecida? Nosso país está se tornando especialista nesses casos de esquecimentos e deméritos midiáticos, e Vanja Orico não seria uma exceção.

Filha do diplomata e escritor Osvaldo Orico, morou em vários países, em decorrência da função do pai. Assim, aprendeu língua estrangeira e também se habituou a diferentes gêneros musicais. Sempre antenada e carismática, em 1950, morando em Roma e estudante de música, chamou a atenção dos cineastas Federico Fellini e Alberto Lattuada, que a convidaram para cantar no filme ""Luci del Varietà"(no Brasil com o título Mulheres e Luzes). A canção escolhida foi "Meu Limão, Meu Limoeiro".

De volta ao Brasil, apareceria no filme “O Cangaceiro”, com roteiro e direção de Lima Barreto, e que ganharia a Palma de Ouro, em Cannes. Resultado: recebeu o epíteto de musa dos sertões e destaque do ciclo do cangaço no Cinema Novo, durante os anos 50 e 70. Vanja ainda filmaria: "Lampião, o Rei do Cangaço", em 1964; "Cangaceiros de Lampião", em 1967; e "Jesuíno Brilhante, o Cangaceiro", em 1972.

Paralelamente aos trabalhos como atriz (também atuou em “Independência ou Morte”, de 1972, no papel da Baronesa de Goytacazes; e em “Ele, o boto”, em 1987), Vanja Orico desenvolveu importante carreira de cantora, com apresentações em diferentes partes do mundo, principalmente na França, onde alcançou relativo sucesso.

Mesmo com sua carreira expressiva no cinema, a paixão maior de Vanja era mesmo a música. Sem atingir tanta repercussão, ainda assim, destacou-se na gravação de alguns sucessos, como o clássico “Mulher Rendeira”, e também com “Sodade, meu bem, sodade”, de Zé do Norte. Ambos gravados pelo selo Sinter, gravação de 1953, 78 rotações.

Algumas gravações de Vanja: "Acender as Velas", (Zé Kéti); "Maria Moita"(Carlos Lyra e Vinicius de Moraes); "Dandara", (Jorge Benjor); "Vê", (Geraldo Vandré e Fernando Lona); "Canoeiro do Itapicuru”,(Reginaldo Nascimento) e "O Nordeste Não Se Rende", (Catulo da Paula).

No teatro, Vanja ensaiou alguns passos, como na montagem de Stanislaw Ponte Preta (Sergio Porto), da peça "Vanja Vai, Vanja Vem", ao lado de Grande Otelo, no teatro Miguel Lemos, em Copacabana. Vanja também receberia um prêmio no Festival de Karlovy Vary, na Checoslováquia, por "A Rosa dos Ventos" (episódio brasileiro dirigido por Alex Viany).

Sua única experiência como diretora de cinema foi no longa-metragem, "O Segredo da Rosa", em 1973, que jogava luzes sobre o problema social da infância abandonada. Como se pode notar, Pelé não estava assim tão solitário na declaração do milésimo gol. Mas isso é outra história.

Já abalada pelo começo dos sintomas do Mal de Alzheimer, Evangelina Orico nos deixou em 28 de janeiro, aos 85 anos, vítima de um câncer no intestino.

Para o cinema e a música, uma perda; para mim, a saudade da artista vibrante e um ser humano adorável.
(*) Marcio Paschoal é escritor, autor da biografia do cantor e compositor João do Vale.