Homenagens

Os 98 anos do grande Jamelão

Por Julio Cesar de Barros* - 13/05/2011

José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, nasceu no bairro carioca de São Cristóvão, no dia 12 de maio de 1913. Foi um dos maiores cantores que este país conheceu. Cantava sambas-canção como ninguém, e foi um puxador de samba (intérprete! intérprete!) inigualável. Leia um pouco sobre esse grande nome da Boa Música Brasileira clicando abaixo:

José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, o maior puxador de samba-enredo de todos os tempos e um insuperável intérprete de Lupicínio Rodrigues, morreu no dia 13 de junho de 2008, aos 95 anos, de falência múltipla dos órgãos, na Clínica de Saúde Pinheiro Machado, no Rio. Jamelão era diabético e hipertenso e havia sofrido dois derrames. Carioca do bairro de São Cristóvão, onde nasceu em maio de 1913, Jamelão foi um mangueirense fiel. Ingressou na escola nos anos 30 do século passado, tocando tamborim. Logo descobriu-se cantor, vocação que desenvolveu nas gafieiras dos subúrbios do Rio. Entrou para o rádio como calouro em programas de auditório e acabou contratado no final da década de 40 pela extinta Rádio Clube do Brasil. Foi crooner da famosa Orquestra Tabajara, do maestro Severino Araújo, e construiu uma sólida carreira em discos, gravando sambas dos maiores nomes da era de ouro da música popular brasileira. Mas foi como cantor de sambas-canção e intérprete de Lupicínio que ele se consagrou junto ao público e à crítica. “É o cantor que expressa melhor o desespero que eu procuro colocar em algumas letras”, dizia Lupicínio. Do compositor gaúcho ele gravou sucessos como Ela Disse-me Assim e Esses Moços. Imortalizou também clássicos de outros grandes compositores do gênero, como Matriz ou Filial, de Lúcio Cardim. Apesar de grande intérprete de sambas-canção, talvez o maior de todos, Jamelão ficou muito popular como puxador-de-samba da Mangueira, função que exerceu por quase 60 anos.

Só os problemas de saúde o afastaram do microfone. Em 2007, devido a dois derrames sofridos em pouco mais de um mês, entre outubro e novembro do ano anterior, não pôde puxar o samba da escola. Até então, seu ritmo era intenso e o descuido com a saúde permanente. “Bebi até três meses atrás, mas o homem do jaleco me mandou parar”, disse em outubro de 1999. Em setembro de 2006, “cantou por quase três horas no Bar Brahma, esticou conversa com os fãs por mais uma hora e terminou a madrugada em um restaurante, onde devorou um cheese-picanha e um cheese-salada” (Monica Bergamo, Folha de S. Paulo). “Eu só paro no dia em que morrer. Enquanto estiver vivo e tiver garganta, estou aí…”, dizia. O artista desprezava a denominação tradicional de “puxador-de-samba”. “Puxador não, sou cantor!”, resmungava.

Não há como não atribuir essa implicância à rabugice, uma de suas marcas registradas. Mas o fato é que enquanto os puxadores de samba funcionam como halterofilistas da voz, botando força no ato, Jamelão cantava com uma técnica própria dos cantores líricos, com um bom trabalho de respiração, diafragma e dicção, o que o ajudou a preservar a qualidade de sua voz até o fim da vida. O mau humor o acompanhou ao longo da carreira. “Não sou galo para cantar de graça”, reclamou em 1989 dos “trocados” que recebeu para gravar o samba-enredo de sua escola. Em março de 2000, diante da insistência da Mangueira em homenageá-lo no carnaval seguinte, foi ríspido: “Não quero ser enredo de nada, nem agora nem nunca”. A escola acabou desfilando com o enredo A Seiva da Vida, de Max Lopes, sobre as “conquistas e descobertas dos fenícios”. Convidado a se sentar, reagia, traindo uma homofobiazinha típica de sua geração: “Não me sento, me acomodo. Sentar é outro verbo”.

Unanimidade dentro e fora do samba, o cantor recebeu em 2001 a medalha da Ordem do Mérito Cultural, entregue pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Por essa época ele se queixava da falta de gravadora e buscava um empresário para agenciá-lo, já que os shows haviam-se escasseado. Em julho daquele ano, depois de obter alta no Instituto Dante Pazzanese, “onde ficara internado por mais de três meses com problemas vasculares, que causaram a proliferação de feridas em suas pernas”, Jamelão resmungava na Gazeta Mercantil: “Se eu não catar milho todo dia, ninguém come lá em casa”.

A vida dura que conhecera desde pequeno, no Engenho Novo, vendendo jornal, engraxando sapatos ou como operáriona fábrica de tecidos Confiança, a dos três apitos cantados por Noel, o rondava novamente, muito embora fosse funcionário público aposentado da Secretaria de Segurança do Estado do Rio. O disco que lançara no ano anterior Por Força do Hábito, pela Som Livre, não havia funcionado bem, apesar de sua disposição para divulgá-lo. “É só me chamar que eu vou, para emissoras de rádio, televisão, entrevistas, shows. Tô nessa!”, disse em entrevista ao jornal O Globo. Com Jamelão desapareceu o último grande cantor de sambas-canção em atividade e um tipo de puxador de samba de escola que deixou raríssimos seguidores, todos eles pouco expressivos.

(*Veja.com / Blog Passarela)