Homenagens

O Sinhô do samba!

Por Luís Pimentel - 03/09/2010

Ele nasceu no século dezenove, suas músicas marcaram presença durante todo o século vinte e, com certeza, serão cantadas e ouvidas também neste século vinte e um, graças às regravações existentes e porvir e à indiscutível riqueza (de extrema simplicidade) melódica.

José Barbosa da Silva, que depois que pontificou na Música Popular Brasileira virou Sinhô e tornou-se “o Sinhô do samba”, nasceu em 1888 na Rua Riachuelo, no Centro do Rio de Janeiro, e viveu pouco: morreu em 1930. Seu pai, Ernesto Barbosa da Silva, era um pintor de paredes apaixonado por música, admirador dos compositores Patápio Silva e Antonio da Silva Callado, e queria que o filho fosse tocador de flautas. Mais tarde, Sinhô foi acusado por alguns desafetos de “levar a vida na flauta”, mas jamais se afeiçoou ao instrumento. A carreira profissional só deslanchou quando ele descobriu o piano e a boemia, ali por volta da década de 1910.

Sinhô foi precoce em tudo. Casou-se com 17 anos de idade – com uma jovem um ano mais nova, Henriqueta Pereira – e dez anos depois já estava viúvo, com três filhos pequenos para criar. Foi a partir daí que entrou de cabeça na música, tornando-se o pianista J.B. da Silva e o compositor Sinhô, à frente do grupo musical Fala Baixo ou do Grupo Carnavalesco Dançante Netinhos do Vovô. Aos 26 anos, enquanto explodiam no mundo as bombas (quase inocentes, se comparadas com as de hoje) da Primeira Guerra Mundial, Sinhô ganhava prestígio e alguns trocados com seu piano, tocando nos clubes da Lapa e da Praça Onze.

Se ainda é difícil sobreviver como compositor no Brasil (as exceções que a mídia conhece e endeusa não desmentem a regra), imaginem nos primeiros anos do século. Para se sustentar e aos filhos, Sinhô tocava na Casa Manuel Faria, na Rua 7 de Setembro, na Casa Beethoven (Rua do Ouvidor) e na tradicional Casa de Bailes Cananga do Japão. Depois botava o segundo instrumento (o violão) debaixo do braço e ganhava as ruas e os botecos, onde ganhava também admiração e inspiração.

Freqüentando os famosos pagodes da casa da Tia Ciata, na praça Onze, Sinhô se encantou com o samba e começou a mostrar aos poucos sua produção autoral, durante reuniões nas quais despontavam compositores de prestígio como Donga, já respeitado como autor do samba (para uns) ou maxixe (para outros) Pelo telefone, registrado em seu nome e feito por uma trupe de autores, e João da Baiana. Essa convivência fez Sinhô se aprimorar no ofício e legar à MPB preciosidades que até hoje nos encantam, como Jura (“Jura, jura, jura pelo Senhor/Jura pela imagem/da Santa Cruz, do Redentor/Pra ter valor a tua jura”, gravação original de Mário Reis), Pé de anjo (“Ó pé de anjo, pé de anjo/És rezador, és rezador/Tens um pé tão grande/Que és capaz de pisar/Nosso Senhor, Nosso Senhor”, que espalhou por todo o Brasil a voz vigorosa do cantor Blecaute, o “general da banda”, em uma das regravações que a marcha teve), Não quero saber mais dela (“Por que foi que tu deixaste/Nossa casa na favela?/Não quero saber mais dela/Não quero saber mais dela/A casa que eu te dei tem uma porta e janela/Não quero saber mais dela”, sucesso na voz de Francisco Alves), Burucutum, O mugunzá, Cansei (que teve, em 1971, uma bela regravação de Paulinho da Viola, para a série de discos de MPB da Editora Abril), Gosto que me enrosco (que já teve inúmeras regravações, nenhuma capaz de fazer esquecer a leveza de Gilberto Alves com a banda de Altamiro Carrilho), Alegrias de caboclo (“Caboclo não tem tristeza/Ai, ai, meu bem/São traços da natureza/Ai, ai, meu bem/Faz da manhã poesia/Do dia, uma sinfonia/De tarde, rude harmonia/Da noite, rica alegria”, regravada também no disco da Abril pelo saudoso batalhador da música brasileira Paulo Tapajós, com a Turma do Sereno, comandada por Dino Sete Cordas), Sai da raia (“Sou feliz e bem feliz/Por não mais pensar em te querer/Nesta vida aperreada/Não posso mais viver”, sucesso na voz inimitável de Jorge Veiga) e outras.

Algumas dessas preciosidades podem ter sido compradas (ele também vendeu muito samba), apanhadas por empréstimos ou até mesmo surrupiadas de algum compositor, pois naquela época valia de tudo. Heitor dos Prazeres (pintor e compositor, parceiro entre outros de Noel Rosa) dizia que Sinhô às vezes se apoderava da obra alheia e o chamava de “o rei dos meus sambas”. E o acusava de debochado, por causa dessa resposta diante da interpelação:

“Ora, Heitor, samba é como passarinho, é de quem pega”.