Homenagens

O desconhecido Assis Valente

Por Daniel Brazil - 23/03/2011

Assis Valente faria cem anos em 2011. Ou talvez tenha feito em 2008. Foi um órfão adotado? Uma criança roubada dos pais? Um baiano carioca ou um carioca baiano? Tomou formicida por causa das dívidas? Teria sido rejeitado por Carmen Miranda? Compunha mesmo um samba por dia? Cortou os pulsos depois de uma briga com Elvira Pagã? Era depressivo e tentou várias vezes acabar com a vida?

Valente é o mais desconhecido dos grandes mestres da música popular brasileira. Foi o autor de bem humoradas canções de nosso repertório, mas era um tristonho. Sua biografia é fugidia, contraditória, cheia de pistas falsas. É certo que era protético de profissão, e compunha com espantosa facilidade. Veio para o Rio em 1927, e começou a mostrar seus primeiros sambas na década de 30. Tem Francesa no Morro foi gravada por Aracy Cortes, em 1932, abrindo o caminho para uma enxurrada de sucessos que teve como principal intérprete Carmen Miranda: nada menos que 25 sambas de Assis Valente foram eternizados pela Pequena Notável.

A lista de clássicos com a diva é bem grande, e surpreende os leigos. Camisa Listrada. Brasil Pandeiro. E o Mundo Não se Acabou. Uva de Caminhão. E Bateu-se a Chapa. Por Causa de Você, Ioiô. Minha Embaixada Chegou. Recenseamento.

Assis Valente fez samba-canção, samba-choro, batucada, marchinha carnavalesca e até canção junina: Cai, Cai, Balão virou sucesso absoluto, daqueles que se confundem com as canções folclóricas. E a mais famosa (e triste) canção natalina composta neste país é certamente Boas Festas (“eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...”).

Mas não teve uma intérprete exclusiva. Araci de Almeida imortalizou "Fez Bobagem”. Marlene gravou e regravou muitas jóias. Carmélia Alves estreou em disco gravando Assis Valente (“Quem dorme no ponto é chofer”). E sobram bons intérpretes masculinos: Quatro Ases e um Coringa, Almirante, Nuno Roland, Orlando Silva e Francisco Alves, entre outros.

O autor de Alegria (“salve o prazer, salve o prazer!”) foi também o compositor de Tristeza (com Zequinha Reis). Escreveu quase tudo sozinho, mas sobraram brechas para parceiros como Luiz Gonzaga (Pão Duro), Ataulfo Alves (Batuca no Chão) e Lamartine Babo (Bis).

Depois de um período de sucesso, foi ficando esquecido. Seus sambas, nos anos 50, eram considerados datados, de carnavais passados. Morreu deixando uma carta onde falava das dívidas e da tristeza. “Saudade de tudo e de todos”. Saudade de Carmen Miranda e dos áureos tempos de sucesso, que foram minguando com as novas ondas musicais.

A partir dos anos 60 sua obra foi sendo redescoberta. Nara Leão regravou Fez Bobagem, Bethania reviveu Camisa Listrada. As duas juntas, mais Chico Buarque, cantaram Minha Embaixada Chegou, no filme Quando o Carnaval Chegar (1973). Brasil Pandeiro virou um hino contemporâneo de afirmação da raça, através dos Novos Baianos (1972). Maria Alcina reviveu Maria Boa. Adriana Calcanhoto redescobriu E o Mundo Não Se Acabou. Musicais foram montados, baseados em sua vida e suas canções. E, creia, tem muito samba pra ser redescoberto.

Este ano devemos ouvir demais Assis Valente. Estaremos apenas pagando uma dívida com o grande sambista. Que seja lembrado como merece: entre os maiores, sempre!