Homenagens

Maysa: problemática, sensível, inteligente e talentosa

Por Gerdal José de Paula - 24/05/2013


Um convite para ouvir Maysa (fotos abaixo), de viva voz na RGE, endereçado a José Scatena e formulado por Roberto Corte Real, irmão do humorista Renato Corte Real, possibilitou a ela, em 1956, o primeiro de uma série de discos em carreira acidentada, mais para os bronzes do que para os cristais. Proprietário dessa extinta gravadora, então um estúdio dedicado a "jingles", o publicitário Scatena, ao ouvir os sambas-canção da moça do "high society" paulistano (casada com o milionário André Matarazzo, 18 anos mais velho, que torcia o nariz para tal vocação musical da esposa), teve com clareza a mesma impressão do radialista, amigo do pai dela, o boêmio Monja (Alcebíades Monjardim): uma estrela nascia, de fato, para o giro do prato na vitrola.

Entretanto, candidata a triste já se mostrava Maysa, como o tempo diria na estampa dos fatos, ao contrair núpcias pomposas (imagens originais no último "link" abaixo) para desempenhar um papel de madame em liturgia aristocrática avessa ao desassossego dos "comigos" do seu eu, marcados, sobretudo, através dos anos, pelas dores e frustrações nos caminhos cruzados com o amor, infelicidade que uísque algum, dos muitos litros que ingeriu, pôde afogar.

Problemática, sim, mas sensível, inteligente e talentosa, além de possuidora de cismadores e fatais olhos verdes, que tantas objetivas atraíram, Maysa teve na canção, sua ou de outrem afinado com o seu "spleen", o meio de expressão do seu sentimento, trocando o samba-canção, pouco depois do seu previsível desquite, pela bossa-nova e fazendo, já no Rio, em 1961, após encontro casual com Ronaldo Bôscoli em um restaurante da Barra da Tijuca, um elepê histórico, na Columbia, "Barquinho", no qual, entre outras referências importantes, o pianista Luiz Eça, por insistência dela, descobriu-se arranjador. Marcante e marcada, alvo preferencial do sensacionalismo da imprensa, por seu temperamento forte e tratamento recorrente da alcoolfilia, Maysa, pouco depois, sem largar a bossa, tornaria à fossa, ou seja, àquela expressão musical dos cotovelos apoiados em mesa ou balcão de bar (gravando, por exemplo, "Alguém Me Disse", um bolero de Evaldo Gouveia e Jair Amorim consagrado na voz do baiano Anísio Silva), o tipo de canção imediatamente associado à sua trajetória na MPB.

Infelizmente, em trágico desastre automobilístico na ponte Rio-Niterói, quando regressava a Maricá, onde tinha casa, ela falece em 22 de janeiro de 1977. Seu mundo caía de vez sem que mais pudesse levantá-lo.