Homenagens

Dona Inah canta Gudin

Por Daniel Brazil - 11/11/2008

Novamente voltamos ao samba paulista, este segmento cultivado por um nicho muito especial de admiradores, e que nos seus melhores momentos se ombreia ao que de melhor o gênero produziu em todo o país.

Desta vez é a união de dois valores incontestáveis, cujo reconhecimento há muito ultrapassou as fronteiras do estado. O primeiro é o aclamado compositor e arranjador Eduardo Gudin, de tantos sucessos assobiáveis, e que ostenta no currículo parcerias do calibre de Paulo Vanzolini e Paulo César Pinheiro, entre outros bambas.

A outra é Dona Inah, que foi, durante um bom tempo, o mais bem guardado segredo do samba paulista. (Você já leu essa frase em algum lugar? Pois foi escrita na Tribuna do Samba-Choro, em 2003, antes mesmo que fosse lançado o seu primeiro CD, e depois foi reproduzida em alguns órgãos da grande imprensa. O papel dos blogs e sites de música brasileira, como a Tribuna – www.samba-choro.com.br – é imprescindível para localizar e divulgar o que se produz de bom na música popular e não é contemplado pelos interesses da grande mídia).

Depois de gravar, aos 69 anos, Dona Inah se tornou uma glória do samba nacional, vencedora do prêmio Tim de revelação em 2005. De lá pra cá, excursionou pelo Brasil e exterior, encantando muitas platéias com seu jeito simples e espontâneo, além de uma voz cujo timbre e estilo remetem a uma tradição clássica de sambistas da qual ela é uma das últimas representantes.

Pois no seu segundo CD (Olha Quem Chega, Dabliú Discos, 2008), Dona Inah abraça carinhosamente a obra de Gudin, gravando 16 obras do mestre paulistano do samba. O resultado é um punhado de belezas musicais. Uma reunião de novos e veteranos valores, que esparramam graça e talento em cada faixa, seja nos arranjos do promissor Thiago França (sax e flauta) ou da pianista Débora Gurgel, seja na atuação entusiasmada do Quinteto Branco e Preto e de velhos conhecidos das rodas paulistanas, como Osvaldinho da Cuíca, Stanley Carvalho (clarinete), ou Milton de Mori (bandolim).

O Quinteto se somou ao grupo de base formado por Alexandre Corrêa (clarinete e clarone), Henrique Araújo (bandolim e cavaquinho), Gian Corrêa (7 cordas), Marcos Bailão (violão) e Allan Abadia (trombone), além dos percussionistas Léo Rodrigues, Gerson da Banda e Jorge Neguinho. E, como é comum em projetos desse tipo, há uma penca de participações especiais, como Zé da Velha, Silvério Pontes e Alessandro Penezzi. O grande João Borba divide os vocais na faixa Velho Sambista, mas infelizmente teve o nome esquecido no encarte. Crédito pra ele, gente!

Dona Inah canta como sempre, com aquele jeito gostoso que faz a gente ter vontade do samba não acabar nunca. E brilha em clássicos gudinianos como Velho Ateu (com letra de Roberto Riberti), Lá se Vão Meus Anéis ou Maior é Deus (ambas com PC Pinheiro, que tem oito parcerias no disco).

Uma boa escolha é o samba Euforia, de Gudin, Riberti e Nelson Cavaquinho, que só tinha registro no último CD do compositor. Ou a regravação da obra-prima Mente (com Vanzolini), que desde histórica gravação de Clara Nunes, nos anos 70, merecia uma escovada. A Divinah ainda coloca em circulação uma raridade da dupla Gudin-Vanzolini, o samba Longe de Casa, escrito no exterior por um doutor Paulo saudoso da garoa e das rodas de samba de São Paulo.

Enfim, Dona Inah abre alas para derrubar alguns mitos empoeirados (“São Paulo não faz bom samba”), renovar conceitos e revelar às novas gerações um repertório de primeira linha. E ouvir o samba bem feito do mestre Gudin, convenhamos, é sempre um grande prazer.