Homenagens

Chambinho, intérprete de Luiz Gonzaga

Por Talita Galli - 23/10/2012

Chambinho caminha vagarosamente pelo corredor do apartamento onde mora com a esposa, no centro da cidade de São Bernardo do Campo, até a sala de visitas; chega como quem acaba de acordar de um cochilo vespertino, os olhos inchados e entreabertos. A aparição lembra de imediato seu grande ídolo, a mesma marca de expressão com covas fundas que descem pelo rosto desde a lateral do nariz até o queixo circundando a boca, a testa larga e sobrancelhas espessas que marcam o rosto liso sem barba. A semelhança com o Rei do Baião levou Chambinho a ser o principal intérprete de Luiz Gonzaga no filme De Pai para Filho, do cineasta Breno Silveira (de 2 Filhos de Francisco). Com estreia marcada para 26 de outubro, o longa conta a história de vida do sanfoneiro que levou o baião e o forró de Pernambuco para o Brasil conhecer, apresentando as cantigas e aboios nordestinos ao Sudeste e contagiando paulistas e paulistanos. Entre eles, Nivaldo Expedito de Carvalho, o Chambinho do Acordeon.

Com 32 anos, Chambinho interpreta Luiz Gonzaga dos 30 aos 50 anos no cinema. Além da aparência, os trejeitos conquistaram os diretores de elenco do filme. A pegada firme nas teclas da sanfona de 8 cordas e a postura de sanfoneiro são marcas de quem já fez carreira como músico. Chambinho toca hoje com a banda que leva seu nome, junto da zambumba de Moisés, o Madruga, e o triângulo de Gilvan Lima. Juntos eles se apresentam em casas noturnas de São Paulo. O último grande show do trio foi durante a comemoração do centenário de Luiz Gonzaga, no Vale do Anhangabaú, organizada pela prefeitura de São Paulo. A apresentação fechava o sábado de shows na capital. Falamansa e Trio Virgulino já tinham se apresentado, lotando o vale de casais que rodopiavam no dois-pra-cá, dois-pra-lá de rosto colado. Às 21h30, Chambinho subiu ao palco vestindo o manto encourado e chapéu de cangaceiro, homenagem que Gonzagão fazia a Lampião, para apresentar seu CD Revivendo Luiz Gonzaga. Num pequeno palco montado embaixo do Viaduto do Chá, Chambinho começou tocando a canção Mangaratiba, de Luiz Gonzaga, e todos que estavam ali notaram o largo e sincero sorriso de satisfação de alguém que faz aquilo que mais gosta: música.

Chambinho é paulistano, nascido na Travessa Piauí, em Santo Amaro, zona sul da cidade. Com o primeiro salário, trabalhando como office boy, comprou um teclado, fez aulas do instrumento, se aproximou de bandas de pagode como Katinguelê e Pixote, mas sentiu-se mal quando descobriu que metade dos garotos do bairro tocavam viola. Mudou de instrumento e passou a acompanhar os colegas violeiros com a velha sanfona do avô, “os ritmos combinavam melhor”. Em pouco tempo já estava tocando com a banda cearense de forró eletrônico Mastruz com Leite em turnês por São Paulo, mas foi só quando entrou para a banda de forró Caianas que sentiu o peso da inexperiência. Durante a gravação do primeiro CD, o diretor de fonografia da gravadora anunciou que o sanfoneiro era ruim e cortaram seu nome do álbum. Chambinho recebeu um prazo para melhorar sua técnica e se trancou no banheiro da pequena casinha, quarto e cozinha, em que morava com a família,e passou noites praticando. “Eu ia nos forrós e pedia exercício de sanfona para os músicos, pro Chico Ceará e pro Dominguinhos”. Os colegas ajudavam o jovem aprendiz.

Na disputa pela vaga de Luiz Gonzaga no filme, Chambinho concorreu com mais de 5 mil inscritos – atores, sanfoneiros e desconhecidos. Apesar de ser paulista, Chambinho passou 3 anos, dos 9 aos 11 anos de idade, na casa dos avós, em Jaicós, no Piauí, onde aprendeu os primeiros acordes da sanfona e guarda as melhores lembranças de sua infância. “Quando eu pego a sanfona vejo o sertão, vejo a casinha de taipa do meu avô. Era a pessoa mais feliz que eu já conheci”. A casinha humilde ficava na chapada do Araripe, a mesma Araripe que adentrando o estado pernambucano se transforma em serra e foi cantada pelo velho Gonzagão.

Meu Araripe, meu relicário
Eu vim aqui rever meu pé de serra
Beijar a minha terra
Festejar seu centenário.

Para o filme De Pai Para Filho, Chambinho tomou aulas de interpretação e teve de deixar a timidez de lado. Daniela, sua mulher, conta que o processo de imersão foi exaustivo e intenso. “Certo dia, ele gritou comigo pela primeira vez desde que estamos juntos, foi então que percebi que ele tinha incorporado outra personalidade”. Mas ela admite que as mudanças foram positivas, ele se tornou mais descontraído e deixou de ter a língua presa, imperceptível durante a conversa e as apresentações. Quando recebeu a notícia de que o papel era seu, em um barzinho de esquina em Copacabana, no Rio de Janeiro, comemorou com Daniela, mas sabia que a coisa tinha ficado séria: “Me jogaram numa pós-graduação sem eu ter o primário”, sorri tímido, característica bem evidente no músico.

Chambinho do Acordeon já não tem previsão de quando vai tocar novamente, pois logo começam as turnês de divulgação do filme De Pai para Filho. Mas uma preocupação já intriga o sanfoneiro: ele não quer ficar marcado como cover de Gonzagão. Para se desvencilhar da imagem do mito da sanfona, só se sobressaindo a ele e “daí a coisa fica mais difícil!”, confessa com a timidez habitual.