Homenagens

Carmélia Alves: permanece a majestade

Por Gerdal José de Paula - 12/11/2012

Há três anos, num sábado, garimpando joias do vinil na feira de antiguidades da Praça XV, tive a sorte de encontrar um dez-polegadas raríssimo, comprado por mim de imediato: "Hervé Cordovil Interpretado por Carmélia Alves", em cuja capa esse compositor, mineiro de Viçosa e parceiro de Noel Rosa em "Triste Cuíca", está ao piano, ladeado pela sorridente cantora carioca nascida na Rua dos Açudes, em Bangu, mas criada em Areal, no interior fluminense. "Cabeça Inchada", "Esta Noite Serenou", "Sabiá na Gaiola" e "Pé de Manacá", naturalmente, fazem parte da expressiva seleção de músicas de Hervé, embalada por ritmos nordestinos, que Carmélia (fotos abaixo) entoa com a vivacidade e a brejeirice que dela fizeram, com o estalo e o aval de Luiz Gonzaga, na transição dos anos 40 para os anos 50, a rainha do baião.

Antes disso, no entanto, fã de Carmen Miranda, Carmélia levaria alguns anos influenciada por ela, decalcando-lhe o estilo e cantando-lhe o repertório, como o samba "Voltei pro Morro", de Vicente Paiva e Luiz Peixoto, e até mesmo, com a viagem da Pequena Notável para os EUA, ocupando-lhe o lugar num programa da Rádio Mayrink Veiga, apresentado por César Ladeira. Nos anos 50, com o cantor e contrabaixista Jimmy Lester, seu marido, falecido, excursionou por Europa, África, Ásia e EUA, sempre divulgando a canção brasileira de extração genuína, sem rebuscado anglófilo.

Uma década em que atuou como "crooner" da boate Meia-Noite, do Copacabana Palace, firmando no luxuoso hotel o prestígio advindo do final da década anterior, quando o que lá cantava era transmitido, diretamente, pela Rádio Nacional para todo o país em atração, "Ritmos da Panair", apresentada por Murilo Néri. Idos em que muito ajudou um amigo talentoso, recém-chegado do Recife natal, Luiz Bandeira, que também se tornaria "crooner" no Copacabana Palace, dele gravando com sucesso, em 1952, o baião "Maria Joana". Idos ainda de aparição na tela do cinema em filmes, por exemplo, de Moacyr Fenelon, "Tudo Azul", também de 1952 e cópia restaurada; "Agulha no Palheiro", outro de 1952, de Alex Viany, e "Carnaval em Lá Maior", de Adhemar Gonzaga, em 1955.

Saindo de Copacabana, onde morava, para o Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá, Carmélia apresentou-se, em anos recentes, com Carminha Mascarenhas e Ellen de Lima pelo conjunto As Cantoras do Rádio – iniciado como um sexteto, depois quarteto, pelos quais passariam as saudosas Ademilde Fonseca, Nora Ney, Zezé Gonzaga e Rosita González, além de Violeta Cavalcante, afastada por motivo de saúde. Infelizmente, como Carminha, em 16 de janeiro deste 2012, Carmélia deu, aos 89 anos de idade, em 3 de novembro, o seu adeus definitivo às luzes da ribalta, portadora de câncer e mal de Alzheimer. Morreu a mulher, ficou a fama; parte a rainha, mas permanece a sua majestade no baião, calorosamente sustentada pelo aplauso popular.