Homenagens

97 anos de Nelson Sargento

Por Luís Pimentel - 28/07/2021

Nelson Sargento gostava de fazer aniversário. E teve a felicidade de poder comemorar muitos. Amigos próximos contam que, pouco antes de falecer em 27 de maio deste ano, o grande compositor, patrimônio da Mangueira, do samba e do Brasil, fazia planos para os festejos do 97º, no último domingo, dia 25 de julho.
     Se for contar direitinho, foram mais de oito décadas de serviços prestados à música brasileira e à escola do coração. O primeiro contato de Nelson Sargento (na certidão de nascimento, Nelson Matos) com o mundo do qual não mais se afastou foi aos 10 anos de idade, na Escola de Samba Azul, uma das primeiras escolas do Morro do Salgueiro:
     “Era uma das agremiações que depois se juntaram para a formação da hoje vitoriosa Acadêmicos do Salgueiro. Nessa época a meninada frequentava as escolas sem precisar de autorização dos pais nem nada”, me contou numa entrevista para a Revista Música Brasileira, em março de 1998.
Depois do flerte rápido com a comunidade do Salgueiro, Nelson se mandou para a Mangueira, onde desfrutou do carinho dos amigos e da acolhida fundamental do comerciante e compositor Alfredo Português, que se tornou seu padrasto. Ali conviveu com Geraldo Pereira, Cartola, Carlos Cachaça, Aloísio Dias, Malvadeza, Zé Ramos e outros bambas. Portanto, estava desde já no berço do samba.
“O Alfredo começou a fazer umas letras. Aprendi as primeiras posições do violão com Aloísio e Cartola, e fui musicando. Quando vi já estava ao lado de Nelson Cavaquinho, Babau, Geraldo e outros bambas na ala de compositores da Unidos de Mangueira. Com o fim da Unidos, a turma foi de mala, cuia e tamborins para a Estação Primeira de Mangueira, onde a dupla Nelson e Alfredo deu asas à imaginação e ganhou alguns carnavais. O primeiro sucesso deles foi, em 1948, o samba-enredo “Vale do São Francisco”, que participou de disputa antológica com a dupla Cartola/Carlos Cachaça.
“Primeira em tudo o que se refere ao samba, desde 1948 a Mangueira faz desfiles com samba-enredo, muito antes de ser quesito obrigatório”, contou ele, orgulhoso.
Em 1955 a verde-e-rosa foi para a avenida com o imbatível e recantado “Primavera”, mais um tiro certeiro de Nelson Sargento e Alfredo Português (“Oh! primavera adorada / Inspiradora de amores / Oh! primavera idolatrada / Sublime estação das flores”). Foi este o samba que projetou Nelson e que tem, até hoje, o maior número de regravações.
Cantando por aí, pelos botecos da vida, enquanto exercia a profissão de pintor de paredes (mais tarde aprimorou e suavizou a vocação e habilidade com os pincéis, tornando-se artista plástico e um nome conhecido na arte da pintura), “para alimentar a filharada”, Sargento começou a ser convidado para um showzinho aqui, outro acolá. Na década de sessenta veio a ebulição do samba cariocas, com o Zicartola, o Rosa de Ouro, os shows Opinião e A voz do morro, a formação do grupo Os 5 Crioulos. Nelson foi participando de um e de outro, gravando com os “Crioulos”, participando do histórico Rosa de Ouro e... pintando paredes.
Já que o samba verdadeiro “agoniza mais não morre”, como garante um dos mais inspirados versos de Nelson Sargento, “o mestre-sala dos mares, sargento apenas no apelido” (como o batizou um samba memorável de Moacyr Luz e Aldir Blanc) compôs até os últimos momentos. E além das artes plásticas, atividade em que se destacou e participou de inúmeras exposições, Nelson teve atuações no cinema, em documentários sobre ele ou até mesmo mostrando-se como ator em obras de ficção de Walter Salles Júnior e de Cacá Diegues.
Nelson Sargento foi múltiplo, batalhador e muito criativo. Depois de muita estrada trilhada, no fim da vida recebeu algum retorno pelo muito que deu ao povo brasileiro em generosidade, afinco e arte. Foi um dos grandes.