Especial

Uma voz com carisma e personalidade

Por Luís Pimentel - 02/05/2007

Foi há 16 anos. Ela tinha, portanto, 70. Já era, há muito, a grande diva e a super-cantora que todos os apreciadores da música brasileira sabem. No entanto, subia ao palquinho improvisado e acanhado de um restaurante chamado Café Laranjeiras, no Rio, se apresentando para um público de 30 a 40 pessoas mais preocupadas com suas conversas e seus drinques do que com a negra charmosa, bonita e forte que empunhava o microfone e mandava ver:

“Tire o seu sorriso do caminho/Que eu quero passar com a minha dor”
(A flor e o espinho, Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha)

Carmelita Madriaga Koethler, que pelo menos durante seis décadas o Brasil e o mundo (fez muito sucesso durante algum nos Estados Unidos, onde morou em dois ou três períodos de sua vida) aplaudiram como Carmem Costa morreu no último dia 25 de abril, vitimada por uma insuficiência renal. Tinha 86 anos e vivia, ultimamente, a amargura do esquecimento involuntário. Ao contrário de certo ex-presidente, ela jamais pediu que a esquecesse. O artista quer e precisa ser sempre lembrado. Dona e senhora de uma das vozes mais marcantes da MPB, cheia de carisma e personalidade, Carmem era mais uma vítima dos modismos que enterram a grande arte, em qualquer ramo de atividade criadora.

Um dos seus inúmeros admiradores qualificados, o jornalista e escritor Artur da Távola, escreveu que “Carmem foi uma mulher marcada pela tenacidade e por uma tristeza que nunca saiu de sua voz interessantíssima. Cinzenta, sem agudos nem vibratos, naturalmente lamentosa”. Artur nos lembra, em crônica no jornal O Dia, do Rio de Janeiro, que Carmem Costa lutou contra os preconceitos raciais e as dificuldades de um artista negro, lá pelos finais da década de trinta e na seguinte. Contra a discriminação social, então, nem se fala. Além de negra, Carmem era de origem humilde. Tudo isto, observe-se, mesmo tendo sido uma estrela de primeira grandeza da era de ouro do rádio no Brasil.

Sabe-se que somos um povo de memória curta. Mas tenho certeza de que a voz que revelou sambas, marchas, boleros e sambas-canções como Cachaça não é água, Eu sou a outra, Tem nego bebo aí, Marcha do Cordão da Bola Preta, Está chegando a hora e tantos outros brincos dourados não poderá ser esquecida.