Especial

Uma canção brasileira no cinema

Por Daniel Brazil - 24/01/2013

Quem já viajou a outro país provavelmente teve a sensação de ouvir, numa situação inesperada, uma voz brasileira soando ao seu redor. Pode ser num restaurante, museu, parque, ou até mesmo na rua ou no metrô. Somos instigados a descobrir quem é que está falando, ao mesmo tempo em somos acometidos pela curiosa impressão de cruzar com alguém da mesma tribo num território estranho.

A sensação será mais intensa quanto mais tempo estivermos sem ouvir o som da língua pátria. Quem passa muito tempo distante, imerso em outro idioma, vive esse momento com maior intensidade, às vezes de forma emocionada. O exílio, voluntário ou não, é um dos grandes estimuladores da memória afetiva e sonora.

O mesmo costuma acontecer no cinema, quando assistimos a um filme estrangeiro. Após vários minutos imerso naquela realidade (diegética, como dizem os acadêmicos), o surgimento de um som familiar, seja uma frase ou uma canção, provoca o mesmo efeito. Desconfio que muita gente sorri discretamente, no escuro, entre orgulhoso e comovido com a referência auditiva.

Já presenciei este fenômeno em mais de um filme de Woody Allen, um fã confesso da bossa nova. Na trilha sonora de Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works, 2009), por exemplo, comparecem Desafinado, de Tom Jobim, e Menina Flor, de Luiz Bonfá, para alegria dos apreciadores da música brasileira. Em Na Era do Rádio, de 1987, Allen citava explicitamente Carmen Miranda, e tascava South American Way e Tico-tico no Fubá na trilha (esta cantada por Denise Dumont). 

Os cineastas brasileiros Walter Salles e Fernando Meirelles utilizam bem essa pegada emocional da música brasileira, inserindo peças de surpresa na história. Em Diários de Motocicleta, de 2004, Salles coloca o jovem Che Guevara para dançar com sua noiva, na Argentina, num ambiente onde a orquestra toca o baião-choro Delicado, de Waldyr Azevedo. E não é licença poética temporal, é fato: Delicado estourou em vários países, nos anos 50, tendo inúmeras gravações no exterior.

O filme mais recente de Fernando Meirelles, 360°, tem nove histórias, passadas em quatro países e falado em seis línguas. A produção refinada passa pela trilha sonora, onde canções – em vários idiomas, claro - sublinham o clima das dificuldades de relacionamento entre os personagens. 360° não foi um estouro de bilheteria, mas é uma obra inteligente, sensível e digna de ser vista. 

Uma das personagens é vivida pela brasileira Maria Flor. Ela rompe um relacionamento em Londres, e está voltando para o Brasil. Quem comparece para ilustrar a dor da separação? Paulinho da Viola, com sua belíssima interpretação de Mente ao Meu Coração, de Francisco Malfitano (1915/2011). Um bamba que merece ser mais conhecido, autor de sucessos na voz de Déo (Princesinha) e Orlando Silva (A Voz do Povo), na década de 40.

Ver a atriz passeando pelas ruas londrinas e chegando ao aeroporto de Heathrow ao som de Paulinho é uma das homenagens mais elegantes que o diretor poderia fazer à nossa música. Certamente plateias estrangeiras se perguntaram de quem seria aquela voz de veludo, e qual seria o nome daquela canção tão envolvente.

Para um brasileiro, principalmente se assistiu o filme no exterior, pode ter sido motivo de um sorriso de saudade, talvez até de uma discreta lágrima de emoção. E a vontade de bater no ombro da senhorita sentada ao lado e dizer, baixinho, “É Paulinho da Viola!”, cheio de orgulho. Quem sabe a lady não quer conhecer mais, “topa ouvir uma coletânea no meu apartamento?”

Divago. Confesso que vi o filme no Brasil, na semana passada. Mesmo assim, passei a manhã seguinte assobiando Mente ao Meu Coração. Certas canções são para sempre. Torço para que os cineastas brasileiros, por mais sucesso que façam no exterior, e mesmo que filmem em língua estrangeira, não se esqueçam desse imenso patrimônio que é a nossa música, e deem sua contribuição para que se torne ainda mais conhecida.