Especial

Tania Malheiros: seu disco e a valorização dos tempos

Por Jorge Roberto Martins - 22/11/2011

Tania Malheiros: intimidade com as palavras, exercida durante anos como jornalista. Intimidade com o som, seu acalento de infância. Estas têm sido suas características como intérprete. Intérprete, um "tom" além de cantora na valorização dos tempos, na emissão de voz, no significado da arte, na comoção do momento.

Tânia Malheiros gravou este CD como se reprisasse outros dos seus registros em estúdios e palcos da cidade. Mas é o seu primeiro disco, cujo resultado está diretamente ligado à escolha do repertório, preferencialmente de sambas, alguns antológicos, e outros a caminho desta grandeza histórica, pelo nível dos músicos, pela qualidade dos arranjos, pela intérprete deste instigante e bem situado Deixa eu me benzer.

Não faz tanto tempo assim, e assim se passaram dez anos, Tânia aventurou-se por um ambiente distinto das redações onde então era impensável o fim do alarido de teclas e de vozes, de ordens e contraordens, de seriedade e de gozações. A modernidade computadorizou mesas, cadeiras, pautas, fechamentos e mentes. Então ela bandeou-se para o alarido dos bares noturnos e das canções de amor. Seu coração é quem quis. Cantou-as ao lado dos sambas que, aos poucos, foi incorporando ao seu jeito de ser e de moldar uma nova vida. É bem verdade que a música “testemunhou o nascimento da moça”. Afinal, que outra recepção lhe ofereceria o mundo não fosse Tânia filha de Múcio de Sá Malheiros, um craque ao cavaquinho que sonorizava as rodas niteroienses?

Agora é ela quem também oferece “matéria prima” às rodas, e além dos limites fluminenses. Doze sambas inéditos, duas regravações cheirando a tinta pelo frescor dos arranjos, pela voz personalizada. As assinaturas compreendem um período amplo – dos anos 1940 (Quando eu vou embora – Roberto Martins) até este nosso século ainda imberbe (as inéditas Cristal partido – Adilson Gavião e Sereno, e Vagabundo – Anselmo Ferraz e Carlos Gomes).

Ressaltei arranjos. Ora, impossível o contrário. Afinal, das 14 músicas, oito foram tratadas com esmero comum aos ourives por Gilson Peranzzetta, maestro, compositor, pianista, uma fiel representação do pensamento musical amplo que este nosso país, mesmo inconscientemente, deveria incensar. José Roberto Leão, o outro arranjador, fez de cada nota, cada harmonia uma moldura, a um só tempo delicada e incisiva. Ao lado das notações com que as partituras se enriqueceram, a produção competente de ElianaPeranzzetta à qual Tânia reverencia com simplcidade e gratidão: "Ela e Gilson são uma bênção, porque abraçaram o projeto totalmente, me apoiaram, me ajudaram muitíssimo".

Claro, no elenco dos agradecimentos estão todos os músicos - Felipe Tauil e Buzunga, percussão; Marco Tulio, sax e clarinete; Dudu Oliveira, flauta; Rafael Lobo, violão; Leandro Samurai, cavaquinho; e todos os compositores que, da confiança da entrega de suas composições à satisfação plena, viveram o tempo justo da gravação-impressão-audição-prazer. Toninho Galante e Marceu Vieira (Palavras de cal), Henrique Damião, Alexandre Pereira e Roberto Serrão (Deixa eu me benzer), Guilherme Nascimento e Serrão (Afluente do meu ser), Noca da Portela e Serrão (Você me fez sorrir); Beto Fininho e Renato Filho (Saga de Zumbi); Gilson Peranzzetta e Paulo Cesar Pinheiro (Quem não sabe amar), Luiz Carlos de Souza (Onde está você), Dayse do Banjo e Cida Zanon (Força do querer), Derley (Jardineiro da terra), Pecê Ribeiro (Não tenho medo); Adilson Gavião e Sereno (Cristal partido) e Roberto Martins (Quando eu vou embora), este em outra dimensão.

Como nossa última faixa, ou "faixa bônus", a constatação de que a voz feminina brasileira também se afina pelo diapasão de uma intérprete, craque no lied, estilista da emoção, coisas sensoriais ou, cá entre nós, de Tânia Malheiros. BenzaDeus, moça!


Notas da redação:

1. A foto é de Ana Luisa Marinho.
2. Tania faz shows na sexta-feira (25), no Bar Severyna, em Laranjeiras. Às 21:30.