Especial

A surpreendente Dolores Duran

Por Daniel Brazil - 19/02/2013

Conheço muita gente boa que curte música brasileira e que ao ouvir menção ao nome de Dolores Duran, imediatamente associa a duas ou três canções, meio românticas, meio antiquadas, aquela coisa anos 50, pré-bossa nova.  Quase todos só conhecem dela os primeiros versos de A Noite de Meu Bem ou de Estrada do Sol: É de manhã/ vem o sol/ mas os pingos da chuva/ que ontem caiu... Esta em parceria com Tom Jobim, claro.
Quem sabe mais que isso é historiador ou fã. Mas desde novembro de 2012 essa personalidade surpreendente recebe o holofote de uma encorpada biografia de Rodrigo Faour: Dolores Duran: a noite e as canções de uma mulher fascinante (Record, 2012, 498 páginas).

Faour não é um simples fã da artista. Produtor musical, foi responsável por dezenas de CDs e relançamentos, como a caixa que reúne a obra de Nana Caymmi. Historiador minucioso, já escreveu biografias de Cauby Peixoto e Claudete Soares, além de um volume dedicado à Revista do Rádio e outro à História Sexual da MPB (seu maior sucesso). Quando foi convidado a produzir a caixa de 8 CDs reunindo a obra de Dolores como compositora e intérprete, teve o estalo.

A pesquisa envolveu mais de 70 entrevistas, com familiares e gente que conviveu com a artista. E o resultado é uma verdadeira revelação para quem tem aquela falsa imagem de uma jovem romântica que morreu de forma prematura. Dolores (que se chamava Adiléia Silva da Rocha) foi uma personalidade irrequieta, engraçada, cativante, de uma inteligência acima da média. A menina pobre, mulata, que largou os estudos para tentar a vida de crooner em boates, era um fenômeno. Destacou-se pela capacidade de cantar em várias línguas, com dicção perfeita.

Cronistas dos anos 50, como Fernando Lobo e Antônio Maria, desfiavam elogios para aquela intérprete que se virava em francês, inglês, italiano e espanhol. E Faour conta que ela lia poetas, pensadores e ficcionistas estrangeiros, muitas vezes no original. Passou a compor e escrever letras com inegável talento, ao mesmo tempo em que ganhava o sustento como cantora de boate.

Dolores sabia que tinha um defeito congênito no coração. Talvez por isso, não se casou nem teve filhos, mas adotou uma menina. Mas flertou muito, de forma libertária e “avançadérrima” para os anos 50. Entre outros, teve namoros com Billy Blanco e João Donato. Os que conviveram com ela sempre destacam o lado espirituoso, irônico e até sarcástico de Dolores, que conviveu com a nata da intelectualidade frequentadora de bares de música brasileira da época. Era boêmia, e esticava as noites em altas conversas, depois de descer do palco.

Morreu de enfarte, com 29 anos. Só Noel Rosa teve uma vida mais curta e mais produtiva que ela, no panteão da música popular brasileira. Geraldo Pereira, outro gênio revolucionário, foi tocar no andar de cima com 37. A genial Chiquinha Gonzaga, única figura feminina capaz de rivalizar com Dolores em pioneirismo na história da música brasileira, viveu mais de 80 anos.

Dolores Duran é uma personalidade fascinante a ser redescoberta pelas novas gerações. Rodrigo Faour marca um belo tento com esta biografia, lançada no final de 2012, e deixa para todos nós uma pergunta: o que teria sido esta mulher se tivesse vivido mais uma década? Ela morreu em 1959...