Especial

Simonal de volta às paradas

Por Daniel Brazil - 22/05/2009

Com a chegada do filme “Ninguém Sabe o Duro que Dei” às telas, abriu-se uma discussão nacional sobre o cantor Wilson Simonal. Ou melhor, não se discute o cantor, mas o personagem Simonal.

Aquele negro com ginga de malandro anos 60, de boina, óculos de aro fino, cara de jazzista americano e um domínio de palco único (basta comparar as imagens dele no Maracanãzinho lotado com os atuais ídolos da MPB nos festivais da época) foi um marco do show business brasileiro.

Lembremos que o samba "de raiz", das escolas e morros, já tinha espaço muito reduzido nas rádios desde os anos 30, quando o formato de samba de sucesso foi moldado por Carmen Miranda, Francisco Alves, Orlando Silva e outros. Daí passamos para o estilo samba-canção, com orquestras e metais, que domina os anos 40 e 50, misturado pelas influências do bolero e da canção americana.

A Bossa Nova não ajudou o morro a sair do gueto, é verdade. João Gilberto pinçou algumas coisas, lapidou daquele jeito dele, e a partir daí "samba fino" é outra coisa. Tom e Vinicius adoravam as origens, mas produziam outra coisa. Um ou outro furava o bloqueio estético (como Zé Kéti, amigo do pessoal do Cinema Novo), mas gente como Cartola ou Nelson Cavaquinho passou fome. Os shows do CPC, a política cultural do Partidão, a criação do Zicartola e o surgimento de artistas como Paulinho da Viola e Martinho da Vila pontuaram, nos anos 60, um retorno do samba original, como era feito no morro e nas quadras, disputando espaço com os novos gêneros que surgiam.

Mas anos 60 significam também o início da globalização audiovisual. Televisão (em p&b) mostrando as Olimpíadas de Los Angeles e os Panteras Negras, Cassius Clay, Malcolm X, Luther King. Miles Davis (êta, crioulo abusado!) ostentando jaquetas brilhantes, carrões e louras a tiracolo.

Simonal, que nunca foi ligado ao samba de morro, se criou nestes parâmetros. Tornou-se o primeiro negro brasileiro “moderno” a conquistar os meios de comunicação. Campeão de vendas, garoto-propaganda do Mug (alguém lembra?), inventor da “pilantragem”. Voz, pinta e estilo. Contribuiu muito para a auto-afirmação da negritude nos meios de comunicação da época, mais até que Pelé, que era bem comportado. Infelizmente, fez besteira, e pagou por isso.

Vejam o filme, ouçam os discos. Mas não caiam na conversa de que foi uma vítima dos fatos, que foi inocente, que a “esquerda” o acusou de dedo-duro. Reproduzo as palavras do jornalista Mário Magalhães, quando era ombudsman na Folha de São Paulo, em 30 de março de 2008:

"Em 1974, Simonal foi condenado por surra dada em um contador. No processo, levou como testemunha sua um detetive do Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara. Ele assegurou que o cantor era informante do Dops. Outra testemunha de defesa, um oficial do 1º. Exército, jurou que o réu colaborava com a unidade. O juiz sentenciou: Simonal era ‘colaborador das Forças Armadas e informante do Dops’. Em 1976, acórdão do Tribunal de Justiça do RJ reafirmou a condição de ‘colaborador do Dops’. Não foram inimigos que inventaram a parceria com o regime, exposta sem reservas pelos amigos de Simonal, que se dizia ameaçado por gente ligada ‘a ações subversivas’ ".

Simonal se enroscou sozinho. Os próprios “amigos” o atiraram no opróbrio, do qual não soube sair. Amargou um exílio dos palcos embalado a álcool e desilusão. O grande artista perdeu o jogo e a carreira num lance de azar, cego pelas escolhas que fez. O que podemos discutir é se o preço pago foi alto demais, não a sua culpa. Nem o seu talento.