Especial

Rap é música?

Por Daniel Brazil - 24/09/2007

Convenhamos, a pergunta é antiga. Já faz 20 anos que o rap começou a ser ouvido por essas bandas, primeiro de forma subterrânea e periférica, e depois conquistando programas de rádio e TV, vendendo discos e levando milhares de pessoas aos shows dos DJs e MCs.

Pioneiros como Thayde e DJ Hum abriram o caminho, em São Paulo. Hoje o rap conta com estrelas nacionais, e há vários exemplos de mestiçagem com os gêneros musicais brasileiros. Desde os explosivos experimentos de Chico Science e Nação Zumbi, mesclando maracatu, rock e rap, até citações de figuras reconhecidas da chamada MPB, como Caetano, Chico, Luiz Melodia, Gil, Raul Seixas...

Surpresa? Mas o que é aquele discurso de Raul Seixas em Metrô Linha 743, surrealista canção de 1984? Parece muito mais influenciado pelo nascente rap americano do que pelo canto falado de Schoenberg e a Escola de Viena.

No mesmo ano, Caetano disparava sua Língua, no disco Velô. O refrão melódico, esmerilhado por Elza Soares, contrastava com a longa letra, cheia de achado poéticos surpreendentes, enunciados sem melodia.

Chico Buarque, em 1979, na música Hino de Duran, da peça Ópera do Malandro, se descola da melodia e despacha os versos finais num discurso que vai sendo encoberto pela guitarra endiabrada de Armandinho, com a Cor do Som. Esta voz que submerge é sintomática numa canção que também ficou conhecida como Hino da Repressão.

Bem antes disso, os nossos repentistas já conheciam os segredos de contar longas histórias em versos, acompanhados apenas pelo ritmo dos pandeiros ou de uma viola monocórdia. Não é à toa que a sentença “o repente é avô do rap” é definitiva, e está presente na obra de artistas tão distintos quanto Cordel do Fogo Encantado, Marcelo D2 e Caju & Castanha, além de alguns autênticos rappers.

Mas o que é um autêntico rapper, na periferia brasileira? Um seguidor fiel dos ensinamentos de Afrika Bambaataa, ou apenas um jovem revoltado que tempera seu discurso candente com batidas pré-gravadas e scratches?

Os estudiosos afirmam que a música de nossa era se compõe de três elementos fundamentais: Ritmo, melodia e harmonia. Se considerarmos esta definição clássica, realmente o rap não pode ser considerado música. Faltam pelo menos dois desses elementos no discurso dos manos!

Mas rap é, na sua língua de origem, Rhythm and Poetry, ritmo e poesia. Ao invés de considerarmos o rap um empobrecimento da música, podemos considerar um enriquecimento do discurso, uma vez que a torrente de palavras passa a se estruturar em torno de uma métrica, de uma batida básica.

Nem música, nem não-música, portanto. Uma outra categoria de expressão, que traduz hoje de maneira muito intensa os anseios ou a revolta de uma grande parcela de jovens, em todo o mundo. Um universo que tangencia o da música “tradicional”, e permite algumas intersecções, no mínimo, interessantes.