Especial

Paulo Freire e a viola contemporânea

Por Daniel Brazil - 06/12/2013

Paulo Freire, ou Paulinho, como é mais conhecido, já inscreveu seu nome na história da viola brasileira. Com vasta obra gravada e um reconhecido trabalho de pesquisador, este violeiro contemporâneo continua surpreendendo pela sua persistência em procurar novos caminhos estéticos para a viola. 
Depois de ter estudado violão e guitarra no CLAM, a histórica escola do Zimbo Trio, em São Paulo, teve professores ilustres como Henrique Pinto, e chegou a morar em Paris, ganhando prêmios de interpretação musical. Fez música para teatro, excursionou mundo afora com grupos de música brasileira, mas os acordes da viola, aprendidos anos antes, continuavam tocando fundo na alma.
Como ele mesmo gosta de contar, depois de ler Guimarães Rosa largou a faculdade de jornalismo e foi morar no vale do Urucuia, no noroeste de Minas Gerais. Ali conheceu o mestre violeiro Manoel de Oliveira, ou Manelim, com quem aprendeu os segredos do ponteado. A experiência foi tão marcante que o fez, depois de alguns anos, largar os outros instrumentos e se dedicar à viola, tornando-se também um exímio contador de causos (não por acaso, tem até romances publicados).
Seu último CD, Alto Grande (Tratore, 2013) mostra que continua inquieto. Quem espera ouvir um repertório de viola clássico, pode esquecer. Paulinho mostra em suas composições que está antenado com novas formas de fazer canção, ao mesmo tempo em que coloca seu virtuosismo a serviço de novas combinações timbrísticas. A bela faixa Manoelzão apresenta o clarinete de Alexandre Ribeiro e o violão de 7 cordas de Swami Jr. duelando com a viola, criando sonoridades surpreendentes. Na canção-título do CD, a preciosa voz de Ana Salvagni é convocada para colorir uma lendária paisagem mineira. A jazzística Pintando o Chet na Viola mostra a viola dialogando com o baixo de Tuco Freire, acompanhados pelas vassourinhas de Adriano Busko na bateria.
Aliás, o disco alterna faixas instrumentais e vocais. Em duas delas, Ferveu e É Meu,  Paulo Freire mostra curiosa sintonia com o canto-falado explorado por Luiz Tatit, com longas letras narrativas e uma levada mais ritmada, quase funkeada, de baixo e bateria. Em Ferveu há ainda a guitarra de Danilo Moraes dando peso à história. No Causo do Angelino é o piano refinado de Benjamin Taubkin que faz a cama sonora para a narrativa. Em A Cobra e a Onça Paulinho terça vozes com Maurício Pereira.
Uma boa regravação do CD é a do sucesso radiofônico Bom Dia, lançado por Zizi Possi em 1993. A canção, de Paulo Freire e Swami Jr., é cantada aqui pelos autores, em gostosa versão com viola, violão de 7, baixo e percussão. A faixa A Viola e O Baraio, de domínio público (embora seja muitas vezes atribuída a Raul Torres) é tocada e cantada no estilo da roça, com a dupla sendo formada por Paulo e o violeiro Levi Ramiro. 
Alto Grande só confirma as infinitas possibilidades da viola brasileira de dez cordas como instrumento formador de nossa identidade musical. Com suas múltiplas afinações, é maleável o suficiente para se inserir no corpo da canção moderna sem ser chamada de passadista. Paulinho Freire sabe disso, e junto com outros mestres contemporâneos, aponta caminhos pouco explorados. Como ele gosta de dizer: Vai ouvindo!