Especial

Os libertários querem censura

Por Daniel Brazil - 08/10/2013

É difícil encontrar algum brasileiro que tenha atravessa as últimas décadas sem ter cantado, dançado, amado canções de Caetano, Chico, Gil e Milton.
Estes campeões da música popular brasileira foram censurados, exilados, perseguidos pela ditadura militar. E nas brechas do sistema, aproveitando a burrice da censura – desculpe a redundância! –,  escreveram versos geniais a favor da liberdade, da democracia e da liberdade de expressão.
Porém (ah, porém...) os tempos mudam, o de cima sobe, o debaixo desce, e essa turma, que já foi taxada de subversiva e comunista, continua sendo a elite da chamada MPB. A classe dominante, digamos assim. E aliou-se a um prócer do conservadorismo musical, o rei Roberto Carlos, numa batalha contra outra categoria, tão perseguida e censurada quanto: os jornalistas-escritores. Não os ficcionistas, mas aqueles que procuram contar histórias reais, os chamados biógrafos.
Já é conhecida de todos a pinimba que Roberto Carlos mantém com seu biógrafo não-autorizado, Paulo Cesar de Araujo. Conseguiu na justiça o recolhimento de sua biografia, ameaçando autor e editora com indenizações escorchantes. O juiz (?), fã do cantor, além da sentença favorável, ainda o presenteou com um CD de própria autoria (já ouviu falar de Thé Lopes?). Para os reis, a lei funciona assim.
Mas o que tem o nosso “rei” a ver com aqueles heróis da luta contra a censura? Afinal, RC sempre teve boas relações com a ditadura, jamais foi um crítico. Acredite: Todos estão agora do mesmo lado, querendo impedir que qualquer biografia no Brasil seja publicada sem prévia autorização do biografado. Na contramão do mundo civilizado, e na firme defesa do status quo.
Paula Lavigne, empresária e ex-mulher de Caetano, é a porta-voz do grupo, intitulado Procure Saber, do qual também fazem parte Erasmo Carlos e Djavan. Este, aliás, publicou constrangedor artigo na imprensa, onde afirma sem pudor que “editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação”. Pausa para as gargalhadas. Biógrafo rico, no Brasil?
Pergunte para os biógrafos de Noel Rosa (João Maximo e Carlos Didier), autores da maior obra do gênero já produzida no país, se ficaram ricos. Ou se viram alguma vez a sua obra (hoje fora de catálogo) no topo dos mais vendidos. Aproveite e pergunte para Ruy Castro, autor de importantes livros sobre a Bossa Nova, o que sentiu ao ter censurada sua biografia de Garrincha, a pedido da família.
Basta uma fuçada no Google para comparar a situação brasileira com a de países civilizados. Há mais de 200 biografias de John Lennon e seus ex-parceiros em língua inglesa. Mick Jagger já passou dos três dígitos. Michael Jackson tem mais de 150. Metade destas foi escrita com os caras ainda vivos (vamos supor que Jagger não é um zumbi, certo?). Drogas, sexo e muquitragens financeiras povoam cada capítulo, e nem por isso os livros são interditados. Os grandes do jazz foram descritos em várias biografias como viciados em coisa piores que querosene, e mesmo assim os livros continuam circulando, sem que os herdeiros interfiram. O que diz a lei? Cada autor pode ser processado, se estiver mentindo. Mas... censura prévia? Oxente, povo da MPB!
Mas, e se a biografia for escrita por um amigo, um da turma? Ah, então tudo bem. Taí o Nelson Motta, que não me deixa mentir, contando algumas indiscrições sobre o velho chapa Tim Maia (e talvez seja o campeão de vendas do gênero).  Ou a jornalista Regina Zappa, que escreveu uma biografia de Gilberto Gil, a quatro mãos com... o próprio! Fica tudo em casa, certo?
Alguém independente, isento, dotado de espírito investigativo e crítico? No Brasil, não pode. E essa turma (até tu, Chico? Ah, lembrei, você impede até hoje a republicação de Roda Viva) foi até o Ministério da Cultura pedir a manutenção da censura.
Biógrafos, historiadores e críticos de música manifestam sua indignação pela internet, confira aqui:
http://farofafa.cartacapital.com.br/2013/10/07/a-mpb-privatista/
Resta-nos lamentar o momento de obscurantismo destes grandes compositores, e relembrar versos heroicos, escritos em décadas passadas:
“Quem cala sobre teu corpo, consente na tua morte”. (Milton/ Ronaldo Bastos).
“O que não tem censura, nem nunca terá”. (Chico Buarque).
“É proibido proibir”. (Caetano).
“Ôôô, gente estúpida, gente hipócrita!” (Gilberto Gil).


http://farofafa.cartacapital.com.br/2013/10/07/a-mpb-privatista/