Especial

O Lixo Lógico de Tom Zé

Por Daniel Brazil - 11/09/2012

Analisar um conjunto de canções de Tom Zé é sempre um desafio. O último dos tropicalistas há muito tempo adquiriu o status de vaca sagrada dos modernos, incensado pelo talkinghead David Byrne. Sempre oscilando entre a profundidade e o deboche (que não são necessariamente opostos), é visto por alguns jovens como “aquele tiozinho meio maluco”. E alguns coetâneos, que optaram por ficar velhos, torcem o nariz para suas invenções.

Mas Tom Zé é indestrutível. Depois de fazer revisões estéticas do samba (Estudando o Samba, 1976), do pagode (Estudando o Pagode, 2005) e da bossa nova (Estudando a Bossa, 2008), o bardo de Irará chega enfim à própria praia de origem musical: a Tropicália.

Há quem ainda discuta se Tropicália é um gênero. Não é. Fiel ao conceito antropofágico de deglutição e reciclagem, Tom Zé mistura gêneros, estilos e poéticas, sempre cheio de referências que podem deixar os exegetas meio perdidos. Mas no meio deste vórtice há um fio condutor de grande coerência, que amarra a obra do baiano com firmeza.

Humor. Criatividade. Invenção. A música de Tom Zé desconfia das certezas e se alimenta dos desvios, criando outros caminhos sonoros. Sem o menor pudor de utilizar sonoridades de sabor pop, mistura brega com alta canção sem perder de vista o horizonte criativo, temperado com a mordacidade de sempre. Poucas vezes sua sonoridade soou tão coesa, com uma banda afiadíssima. A voz de calango-aladocontrasta lindamente com as participações vocais de Mallu Magalhães, Emicida, Rodrigo Amarante, Pélico e Washington.

O tom profético da abertura, com citações em latim, funde-se ao versejar sertanejo de forma natural. O sertão brasileiro é medieval, por vezes barroco, e Tom Zé soube como poucos traduzir esse cruzamento estético. Eletrificado e universalizado, se transforma em trilha sonora de um baile de ideias onde cabem de Jackson do Pandeiro a Stockhausen. E cabe também samba, pagode e bossa...

Ruidismos, breques bruscos e versos plenos de arestas não diminuem a musicalidade do disco. Há várias melodias assobiáveis, de estimulante eufonia. Tom Zé, cada vez mais jovial, tem muito a ensinar às novas (e velhas) gerações, e faz um dos discos mais instigantes da década. Escutem esse navegante dos sete mares musicais, urgente!