Especial

Nossa música instrumental em três tempos

Por Marcio Paschoal - 05/06/2013

ANTONIO ADOLFO – “FINAS MISTURAS”
Antonio Adolfo lança por aqui seu excelente “Finas Misturas” (ilustração), com dez faixas (sendo quatro autorais) e já lançado com boa repercussão no exterior, em mídias de jazz e world music. Antonio esbanja qualidade nos arranjos e improvisos de “Floresta Azul”, sua melhor composição no disco. “Memories of Tomorrow”, de Keith Jarrett, está no ponto. Além dessa, há ótimas referências de estilos diversos e grandes compositores, como Bill Evans (“Time Remembered”), Dizzie Gillespie (“Con Alma”), Chick Corea e Neville Porter (“Crystal Silence”).
Misturando colorações rítmicas do nosso cancioneiro com o tradicional jazz, Antonio veste as melodias de sonoridade mundial com o melhor sotaque nacional. Como por exemplo, na forrozeada composição de John Coltrane, “Giant Steps”.
Mais na linha clássica e com a ajuda de um ótimo time de músicos, Leo Amuedo,(guitarra elétrica, Marcelo Martins (flauta e sax tenor), Cláudio Spiewak(violão) e Jorge Hélder (baixo), o disco passeia sobre essas multiformas sem se exceder nas sessions. O título muito se encaixa ao trabalho, nominando-o com perfeição: finas misturas. 

MAURO SENISE & GILSON PERANZZETTA – “JASMIM”

Outro bom lançamento da nossa música instrumental é “Jasmim”, novo trabalho da dupla formada por Mauro Senise e Gilson Peranzzetta. Gravado na Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso (uma das melhores acústicas da cidade), levou cinco dias para ser realizado e contou com a participação do percussionista Amoy Ribas. São doze faixas, seis do compositor catalão Federico de Mompou e a outra metade de Peranzzetta (sendo três inéditas).  Discípulo de Paulo Moura, Senise intercala o sax alto e o soprano e a flauta, onde, muitos não sabem, é um craque. Os quatro movimentos de “Impressiones íntimas” são destaque no álbum, sendo a primeira e a segunda de maior impacto. Há uma sonoridade que ronda o mistério, traduzido pela hipnose da flauta, as incríveis marimbas de vidro de Amoy, a levada de piano e os sons característicos das construções típicas de igreja (carrilhões, sinos etc). Trabalho de elevado nível, não fosse o respeitável trajeto e o currículo desses monstros da nossa música, aliado a uma pesquisa feliz e original sobre o vigoroso trabalho de Mampou, artista da Belle Époque, tido com um dos melhores alunos de Debussy. Um senhor disco.

TATO MAHFUZ – “CÁ ENTRE NÓS”

Muito bem-vindo o novo trabalho do guitarrista e arranjador Tato Mahfuz, “Cá entre nós”. Tato já havia sido escolhido como revelação na quinta edição do Prêmio Sharp, pelo disco “Rumo Norte'” (1991). Na linha de um Pat Metheny ou John Scofield, o terceiro álbum do músico, como o próprio nome do disco sugere, resulta da aguda conversa musical com instrumentistas do naipe de Sizão Machado, Jarbas Barbosa, Celso Pixinga Cuca Teixeira, entre outros. Ao todo, são dez composições autorais. “Canal 100” abre os trabalhos, com solo de Jarbas no final e arranjo de metais de Ricardo Marão. “Astor”, possivelmente uma homenagem a Piazzola, traz o próprio Marão no acordeom. “Encontro” é a faixa mais musical, com Tato nos violões de aço, nylon e 12 cordas. “Miltons”, livremente inspirada no compositor mineiro Milton Nascimento, tem arranjo em modulação bitonal e o piano suave de Edmundo Cassis. Com produção de Marão e Tato, o disco é um belo exemplo da nossa boa música instrumental, em que possíveis deslizes de um ou outro improviso não encobrem a sensação de se estar ouvindo o melhor som.  Musicalidade e arranjos de altíssimo nível.

(*) escritor e autor da biografia de João do Vale