Especial

Nascidos no subúrbio

Por Marceu Vieira - 22/11/2021

Conheci Jorge Simas e Didu Nogueira no mesmo dia, num
botequim de Copacabana, o Bip Bip, do inesquecível Alfredinho, no
início dos anos 1990, quando um era diretor musical de João
Nogueira, e o outro trabalhava como produtor do tio. Era noite de
samba no Bip.
Impossível esquecer o impacto que me causou o violão sete cordas
do Simas, combinado com o timbre rascante do Didu, quase um
clone vocal do João. Impossível.
Acompanhado pelo Simas, Didu cantava “Espelho”, diamante
verdadeiro da obra do Nogueira – xará de árvore frondosa, nó na
madeira, camarada que, em roda de samba, era considerado.
A lembrança desse momento, quase 30 anos depois, me dá a
sensação de ter assistido, ainda com o João vivo, ao brotar da
nascente que desaguaria nesse discaço que os dois lançam agora,
batizado de “Nascidos no subúrbio”.
Álbum que celebra os 80 anos de nascimento de João, “Nascidos
no subúrbio” não traz os maiores sucessos do imenso cantor e
compositor. É mais do que isso. Reúne dez joias preciosas menos
conhecidas de seus 16 discos de carreira, acrescidas de cinco
músicas inéditas.
Por essa razão, o conjunto do CD, quase todo arranjado
(magistralmente) pelo próprio Simas, soa aos ouvidos como um
disco póstumo só de inéditas. A semelhança da voz de Didu com a
do tio só reforça essa impressão.

Didu e Simas são os caras que, por mais tempo, e de forma muito
próxima, conviveram com João na música. Violonista, arranjador,
Simas, além diretor musical, foi também parceiro do homenageado.
Duas dessas parcerias, aliás, estão no disco – o divertido samba de
breque “O despertar do mago” e a inédita “Bob Silva”, ambas
interpretadas por ele mesmo, Simas.
Desde 2017, ele e Didu sonhavam registrar em disco uma seleção
de músicas de João. Naquele ano, os dois percorreram 15 cidades
do país com o show “Tributo a João Nogueira”.
De lá pra cá, o sonho virou projeto, e o projeto, realidade. O nome
“Nascidos no subúrbio”, além de referência ao primeiro verso de
“Espelho” – que não está no disco –, é remissão às origens dos dois
na Zona Norte carioca: Didu nasceu no mesmo Méier do tio, e
Simas é de Parada de Lucas.
A Didu, coube garimpar com parceiros de João possíveis músicas
inéditas. Entre as descobertas, surgiram, “Ela”, feita com Nelson
Cavaquinho e Paulo César Valdez, e “Palmares – nação negra”,
com Paulo César Pinheiro.
A Simas, além de 13 dos 15 arranjos e da direção musical, coube
convocar músicos que, como ele, acompanharam João ao longo de
seus 30 anos de carreira. E, assim, atenderam ao chamado os
competentes Cláudio Jorge e Marinho Boffa.
O disco tem ainda participações de Giza Nogueira, mãe de Didu,
cantando a parceria com o irmão “Meu canto sem paz”, e de Diogo
Nogueira, filho do homem, em “O rei da felicidade” (João e Nonato
Buzar). Esta faixa é especialmente emocionante por abrir com a voz
do próprio João.

Participam também o acordeonista Cezinha e dos maestros Marco
César, com seu bandolim, e Spok, com seu sax soprano. Assina a
arte da capa o genial Mello Menezes. A apresentação, no encarte, é
do orixá vivo Adelzon Alves, produtor do primeiro LP de João.
Saravá Simas, Saravá Didu, mensageiros da música de João!

Marceu Vieira, novembro de 2021

  
Faixas
“Albatrozes” (João Nogueira)
“Beto Navalha” (João Nogueira)
“Do jeito que o rei mandou” (João Nogueira/Zé Katimba)
“Descarrego” (João nogueira/Cláudio Jorge)
“O despertar do mago” (João Nogueira/Jorge Simas)
“Meu canto sem paz” (João Nogueira/Gisa Nogueira)
“O rei da felicidade” (João Nogueira/Nonato Buzar)
“Minha esquina” (João nogueira/Paulo César Pinheiro)
“Coisa ruim demais” (João Nogueira/Ivor Lancelotti)
“Meu louco” (João Nogueira/Paulo César Feital)

E as inéditas
“Bob Silva” (João Nogueira/Jorge Simas)
“Ela” (João Nogueira/Nelson Cavaquinho/Paulo César Valdez)
“Violão sem cordas” (João Nogueira/Carlinhos Vergueiro)
“Produto de se exportar” (Edil Pacheco/João Nogueira)
“Palmares - nação negra” (João Nogueira/Paulo César Pinheiro)